Homem que perdeu mulher e filho supera luto dando palestras sobre depressão

O dia 10 de dezembro de 2016 marcou para sempre a vida do advogado José Roberto Gomes de Campo Grande (MS). Três dias antes, ele e a esposa haviam saído para comemorar 8 anos de casamento. Eles tinham um menino de 2 anos e 8 meses.

“Estávamos sempre juntos e conversávamos muito. Mesmo conversando tanto, não percebi que havia algo errado. Ninguém percebeu, ela não dava sinais.”

 
José, a esposa e o filho: "Ela não deu nenhum sinal, ninguém esperava por isso". — Foto: Arquivo pessoal
José, a esposa e o filho: “Ela não deu nenhum sinal, ninguém esperava por isso”. — Foto: Arquivo pessoal

Na madrugada de 10 de dezembro, a esposa de José e o filho morreram asfixiados. Segundo a polícia, a causa da morte foi intoxicação por monóxido de carbono. Ela e o menino foram encontrados pelo próprio José.

“Você começa a lembrar dos sonhos que tinha e vê que aquilo ali é um ponto final, acabou. É uma marca para o resto da vida.”

“Ninguém imagina passar por isso”

José conta que a esposa não aparentava sintomas de depressão, mas tinha um diagnóstico de esquizofrenia. Na carta que ela deixou e que foi recolhida pela polícia, consta um trecho em que a médica menciona que não queria conviver com as consequências da doença. Segundo a carta, a decisão de “partir deste mundo” surgiu após um surto.

 
Em carta deixada por Valquíria, que cometeu suicídio com o filho, a médica pede perdão para o marido. — Foto: Arquivo pessoal
Em carta deixada por Valquíria, que cometeu suicídio com o filho, a médica pede perdão para o marido. — Foto: Arquivo pessoal

Ele explica que levou muito tempo para recuperar-se, assim como toda a família:

“É imensurável a consequência nas pessoas que ficam, são famílias inteiras impactadas com essa dor. Fiquei um mês e meio sem trabalhar, meu sogro ficou um ano, minha sogra sofreu demais, minha família também. Meu filho era uma criança muito amada, ninguém imagina passar por isso. Demora muito para a gente se recuperar”.

Nas primeiras semanas, dormia 2 horas por dia. Procurou um psiquiatra e um psicólogo. Foi na terapia que resolveu voltar para o trabalho e para lidar com a dor, decidiu seguir em frente. A maneira que encontrou de começar foi trabalhando com projetos de prevenção ao suicídio.

Há cerca de 1 ano ele dá palestras para pacientes em depressão e também para as famílias, acompanhado de uma equipe médica. A ideia é aprenderem juntos a identificar sintomas que possam resultar em uma situação extrema:

“A pessoa precisa confiar em alguém, pai, mãe, amigo, uma professora, um colega de trabalho. Alguém que você possa se abrir sem vergonha de assumir que já pensou em tirar a vida. O trabalho de prevenção começa aí. Quando você estiver próximo do precipício, olhe ao redor. Pode ser que você não acredite, mas há alguém que te ama e que não quer te perder”.

O segundo passo, depois de identificado o quadro de depressão, é seguir firme no tratamento. “Isso envolve a conscientização da família, dos amigos e do poder público. Levar a sério, saber que depressão é um negócio grave, não é frescura de ninguém. A depressão é uma doença, ninguém escolhe adoecer”.

“Quem fica também é vítima da doença”

José comenta que, para famílias enlutadas com o suicídio, existe ainda um tabu que torna a situação mais complicada: “As pessoas costumam falar que quem comete suicídio era uma pessoa fraca e isso reflete na família, é diferente”.

“Para quem se foi, não há nada mais a ser feito, mas quem fica também é uma vítima da doença. Muitas vezes os amigos e os próprios familiares não dão o suporte adequado para quem tem que lidar com esse trauma”.

Na opinião de José, quando se fala em depressão e prevenção ao suicídio, falta conscientização e empatia: “Muitas vezes as pessoas não enxergam a pessoa que está ali, triste, como alguém que possa estar doente. Depressão não é uma escolha”.

“Quando as pessoas ouvem a minha história, logo lembram de alguém ou mesmo pensam em si, nos momentos em que possam ter cogitado tirar a vida, e vêem a situação por outro ponto de vista. Elas começam a buscar ajuda e especialmente, oferecer ajuda”.

O pequeno João, de 2 anos e 8 meses: "Meu filho era um menino muito amado" — Foto: Arquivo pessoal
O pequeno João, de 2 anos e 8 meses: “Meu filho era um menino muito amado” — Foto: Arquivo pessoal

Hoje, José está namorando e conta com a compreensão da nova companheira. Ele tem sobrinhos da idade do filho que perdeu, e lembra muito de João: “Eu me esforço, mas é só ver uma criança de dois anos e meio, três anos, que eu acabo sentindo, faço algum comentário. Percebo que vai muito tempo ainda para eu realmente desligar do passado e olhar para o futuro”.

José já deu palestras em 12 cidades do estado e, quando é chamado, modifica a agenda para não deixar de atender.

“A dor é inevitável, mas decidi fazer algo com isso. Se meu testemunho servir para abrir os olhos de alguém, já me sinto útil. Hoje sei que isso pode realmente salvar uma vida.”

Por Flávio Dias e Jaqueline Naujorks —G1 MS