Câmara de Costa Rica foi palco de debates sobre possíveis riscos na extração do gás de xisto no município

A Câmara de Vereadores de Costa Rica-MS promoveu audiência pública na noite de segunda-feira (30/07) para discutir a extração do gás de xisto no município. O evento contou com palestras do deputado estadual Amarildo Cruz (PT-MS) e de integrantes da Coalização Não Fracking Brasil (COESUS), todos contrários à atividade extrativa, que alertaram os participantes para os supostos riscos ambientais envolvidos no processo de exploração do gás. Em breve, o Legislativo costarriquense vai realizar uma nova audiência, dessa vez com a participação de especialistas favoráveis ao aproveitamento do recurso natural, como estratégia para equilibrar os debates.

Com início às 20h, o evento teve duração de aproximadamente duas horas e quinze minutos e registrou a participação de cerca de 60 pessoas, entre elas os 11 vereadores costarriquenses, além de representantes de órgãos públicos e da sociedade civil, como o promotor de Justiça George Cássio Tiosso Abbud, que demonstrou surpresa ao saber pela primeira vez, por meio da audiência pública, que Costa Rica está na rota de exploração do gás de xisto.

“Quero cumprimentar o presidente da Câmara pela iniciativa de trazer um tema tão importante para discussão. Admito que eu, promotor há sete anos e meio aqui (em Costa Rica), me senti traído em não saber dessa questão e dessa situação, pois confesso que desconhecia por completo que o nosso subsolo estava sendo levado a leilão. Eu me assustei, me causou espécie diante da magnitude, da dimensão do problema”, ressaltou o promotor, ao comentar que a maioria da população do município não conhece o assunto.

De acordo com pesquisas de prospecção da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o subsolo de Costa Rica está sendo leiloado pela ANP porque possui potencial para extração do gás de xisto, que é um combustível fóssil retirado de camadas profundas da terra. Em algumas regiões dos Estados Unidos, onde o recurso natural é explorado desde o começo do século XXI, o gás serve para abastecer usinas termelétricas e é usado na geração de energia elétrica para indústrias e residências.

A Coordenadora de Engajamento da COESUS, Suelita Röcker, acompanhada de dois colegas de instituição, ministrou uma palestra de cerca de 45 minutos no começo da audiência pública na Câmara e argumentou que os riscos ambientais envolvidos na atividade extrativa estão relacionados ao processo de “fraturamento hidráulico” (ou fracking no inglês), que é o único método conhecido e utilizado para retirar o gás das camadas profundas do subsolo – onde estão acomodadas as rochas de xisto. Ela reconheceu que existem muitas controvérsias sobre o assunto e que muitas pessoas não sabem se é uma atividade boa ou ruim.

Com o uso de um projetor e por meio da apresentação de vídeos, Suelita explicou para os participantes da audiência como é feita a extração do gás. Segundo ela, o processo começa com a perfuração do subsolo até as rochas de xisto, que podem estar localizadas a 3,5 mil metros de profundidade. No poço perfurado, a indústria extratora introduz um tubo, no qual é injetada uma imensa quantidade de água misturada com solventes químicos.

A injeção da água e dos produtos químicos no tubo cria uma alta pressão, provocando explosões que fragmentam (racham) a rocha de xisto no subsolo, permitindo a retirada do gás. Para que o buraco não se feche novamente, são injetadas enormes quantidades de areia, que supostamente evitam que o terreno ceda, ao mesmo tempo em que permitem – graças à porosidade da areia – a migração do gás a ser extraído.

A palestrante alertou que para criar a pressão necessária à explosão das rochas de xisto, em cada poço de exploração de gás são utilizados de 7 a 15 milhões de litros de água, que são injetados no tubo de extração e que acabam misturados a cerca de 151 mil litros de produtos químicos, incluindo substâncias cancerígenas e toxinas conhecidas, tais como urânio, mercúrio, metanol, rádio, ácido hidroclorídrico, formaldeído e muitas outras.

Conforme Suelita, como as rochas de xisto são encontradas em profundidade elevadas, em caso de exploração do combustível fóssil em Costa Rica, os tubos de extração do gás vão atravessar o aquífero Guarani, a segunda maior reserva de água doce do Planeta, que está localizado no subsolo do município e de vários estados do Brasil, além do território da Argentina, Paraguaia e Uruguai.

“De 20% a 30% dos fluídos (mistura de água e produtos químicos) voltam e são despejados em represas ao ar livre ou mesmo em rios, causando poluição do solo e da água. O restante, ou seja, até 80% ficam no subsolo, o que vai contaminar o aquífero Guarani e todos os lençóis freáticos. Imagina, você perfurar até 3 mil metros, com essa quantidade de água misturada com produto químico, parte desse material continua lá embaixo e infiltra nas rachaduras que vão sendo feitas nas rochas de xisto”, contou a palestrante.

Além disso, Suelita também ressaltou que a extração do gás de xisto pode acarretar pequenos terremotos, provocar chuvas ácidas, contaminar produções agrícolas (como o que estaria acontecendo com as plantações de maças na Argentina, segundo ela) e ainda polui o ar, já que parte do gás que não é aproveitado acaba liberado na atmosfera.

Chamou atenção dos participantes da audiência pública um vídeo exibido logo no início da palestra de Suelita, que mostra torneiras, rios e nascentes de água em chamas, supostamente contaminados com gás de xisto em países que extraem o recurso natural por meio do “fraturamento hidráulico”.

“Nós não podemos esquecer que estamos em cima do aquífero Guarani. Com 3 mil metros de poço, vai perfurar obviamente o nosso aquífero. As imagens ‘lindas’ dos vídeos mostram que onde se faz um poço desse não se tem mais vida. O que a população vai ganhar com isso? Nada! São colocados 151 mil litros de produtos químicos para perfurar apenas um poço, que são cancerígenos e que causam mal”, ressaltou o vice-presidente do Conselho Municipal de Saneamento Básico, Claudinei Montani, ao comentar os vídeos exibidos na palestra da coordenadora de engajamento da COESUS.

Após a palestra de Suelita, foi a vez do deputado Amarildo Cruz expor argumentos contrários à exploração do gás de xisto. Ele contou que países da Europa e alguns estados americanos já proibiram a extração do combustível fóssil. No Brasil, segundo o parlamentar, o Paraná aprovou uma lei que suspende a exploração do gás por 10 anos e em São Paulo a Justiça Federal  impediu a extração do recurso natural no estado, além de vários municípios brasileiros que também barraram a atividade extrativa, conforme ele.

Amarildo Cruz é o autor de um projeto de lei – em trâmite na Assembleia Legislativa – que pretende suspender por 10 anos a exploração do gás de xisto em Mato Grosso do Sul. “Por que o gás não é explorado em todos os países do mundo onde ele está disponível, como o petróleo é extraído nas regiões onde ele existe? Porque, embora o petróleo seja uma fonte de energia suja, o gás de xisto é mais sujo ainda em função da única técnica de exploração conhecida no mundo que é o ‘fraturamento hidráulico’, extremamente danoso”, defendeu o deputado.

Para ele, os governos precisam investir em estratégias de desenvolvimento sustentável, o que inclui o fomento à produção de energia renovável, como a eólica e a solar. “Todos nós somos favoráveis ao desenvolvimento, à geração de riquezas, à criação de empregos. Mas chega um ponto que nós temos que pesar até que ponto o desenvolvimento vale a pena, se ele coloca em risco a saúde e o meio ambiente! É o desafio do desenvolvimento sustentável, que eu canso de ver os homens públicos falarem. Mas o que é a sustentabilidade, se não é você colocar no mesmo patamar de importância – com a geração de riquezas – a vida, a saúde, senão não é um desenvolvimento inteligente. Que desenvolvimento é esse que pode aumentar o gasto na saúde, comprometer a nossa vida e colocar em risco a nossa geração e as gerações futuras?”, argumentou Amarildo Cruz.

Ao final das palestras, Amarildo e Soelita responderam a várias perguntas e comentários dos participantes da audiência pública, esclarecendo dúvidas dos convidados.

O presidente da Câmara, José Augusto Maia Vasconcellos, o Dr. Maia (DEM), também propôs recentemente um projeto de lei municipal que cria várias barreiras para frear a exploração do gás de xisto em solo costarriquense. Segundo o vereador democrata, Costa Rica é uma cidade turística com muitas belezas naturais que devem ser preservadas.

“O nosso município está engatinhando para poder profissionalizar o turismo de aventura, o turismo ecológico e a Câmara vai implantar agora no mês de setembro a captação de energia solar, que é uma energia limpa. Então, nada mais justo do que nós apresentarmos um projeto de lei que proíbe a expedição de alvará para exploração do gás de xisto em nosso município. Nós estamos nos precavendo e criando uma barreira protetora em prol da nossa sociedade, do nosso turismo”, enalteceu o presidente da Casa de Leis.

Dr. Maia ainda adiantou que em breve a Câmara de Vereadores vai promover uma nova audiência pública sobre o tema, se possível com representantes da ANP e da Petrobras.

Conforme a ANP, no subsolo de ao menos 54 municípios sul-mato-grossenses existem jazidas de xisto, entre eles Costa Rica. Inclusive, áreas com potencial para exploração do gás, que estão localizadas no território costarriquenses estão sendo ofertadas em leilão permanente da ANP e podem ser arrematadas a qualquer momento.

Além disso, no estado, a Petrobras já arrematou terras de Brasilândia-MS e Santa Rita do Pardo-MS com potencial de extração do xisto, em leilão promovido pela ANP. Com isso, a estatal tem o direito de explorar o subsolo desses municípios pelo prazo de 30 anos.

De acordo com dados da Agência Internacional de Energia (AIE), o Brasil possui a décima maior reserva mundial de gás de xisto e a segunda maior da América do Sul. As principais reservas do recurso natural no país ficam no subsolo dos estados de São Paulo, Mato-Grosso do Sul, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.

A extração do gás de xisto é feita em várias partes do território dos Estados Unidos e da Argentina, mas no Brasil ainda não existe nenhum poço perfurado e em funcionamento.

 

 

Fonte: Ademilson Lopes / Foto: Luciana Aguiar/ASSECOM/PMCR