Coluna da Psicóloga Jackeline Martini – Se não trouxer paz, não é amor.

Em tempos de instabilidade e incertezas que atingem o país nesse momento, emergem situações e comportamentos que remetem à agressividade tão presente na condição humana. Muitos são os estudiosos que se dedicaram a investigar e compreender os aspectos envolvidos em situações de agressividade e violência. Parece que esse fenômeno está presente desde o início de nossa existência. No entanto é preciso observar que existe uma face silenciosa dessa agressividade que se expressa através da violência doméstica.

Sabemos que condições culturais influenciam diretamente a ocorrência de situações violentas e no caso da violência cometida dentro dos lares existe ainda um agravante, a banalização do fato que pode ser motivo para sua multiplicação. Ditados populares como: “Em briga de marido e mulher não se mete a colher” favorecem o silêncio e sofrimento de quem passa por essa situação.

Vemos em determinados casos até mesmo algumas “brincadeiras” que a princípio podem parecer sem maldade, por vezes mascaram o comportamento violento que pode não ser notado nem mesmo pelo agressor, já que para ele, dentro de sua criação e cultura é natural esse comportamento.

Os índices oficiais de Mato Grosso do Sul são alarmantes. Nosso estado é o líder nacional em processos de violência doméstica contra a mulher. Uma pesquisa realizada em 2017 revela que de cem mulheres residentes no estado, três entram na Justiça para denunciar casos de violência cometida dentro de suas próprias casas. Esses números fizeram com que o estado recebesse a primeira Casa da Mulher Brasileira, órgão voltado ao atendimento e assistência às mulheres que sofreram violência. Isso demonstra que a violência doméstica é um fato social que todos devem se preocupar, pois se configura como um obstáculo para o desenvolvimento de uma sociedade.

O ato violento por si só já nos causa medo e dificuldade de compreensão, quando esse ato é cometido por uma pessoa próxima, alguém com quem se divide a casa, se divide a vida a situação se torna mais dramática. Nesses casos existe o sentimento de posse por parte do agressor com relação à vítima, para ele não se trata de uma pessoa em igualdade de direitos e sim um objeto de posse. Já para a vítima, existe um misto de sentimentos que vão desde o medo até a dependência material e principalmente emocional que impede que ela saia desse local onde é agredida. É

importante lembrar que mesmo nos dias atuais onde as mulheres trabalham fora e tem o seu sustento, sair de casa mesmo em caso de agressão não é tarefa fácil, uma vez que estamos falando de uma relação que se iniciou a partir de um enlace amoroso.

Falar de um relacionamento amoroso é bastante complexo, muitos fatores interferem no cotidiano de um casal podendo gerar situações de conflito com as quais esse casal pode não saber lidar. Assim se instala o que chamamos de ciclo da violência doméstica. Trata-se da dinâmica na qual a agressão ocorre dentro dos lares.

Este ciclo se apresenta em três fases específicas dentro da convivência do casal que já não consegue resolver seus conflitos através do diálogo.

Na primeira fase é onde ocorre o momento de tensão no relacionamento geralmente causado por crises de ciúmes, descontrole emocional e dificuldades no diálogo, é um estágio considerado mais leve. São as típicas discussões de casal na qual ocorrem as agressões verbais que são os xingamentos, as ameaças de agressão física. Nessa fase podem ocorrer também danos materiais como quebra de objetos e bens pessoais do casal. Existe nesse momento por parte da vítima a tendência de buscar tranquilizar o agressor acreditando ter poder para controlar a fúria dele. Porém, a capacidade de controle da raiva e da explosão agressiva é uma habilidade que cada um de nós possui ou não. Dificilmente controlamos o outro, o que existe é a ilusão de que podemos exercer esse controle. Na segunda fase do ciclo da violência é quando ocorre de fato à agressão física expressa por tapas, empurrões, socos, chutes etc. É o topo da explosão da violência, há um total descontrole.

Após a agressão física onde toda a tensão foi descarregada no ato, vem à terceira fase do ciclo chamada de lua de mel, marcada pelo arrependimento do agressor e suas tentativas de reconciliação por medo de perder sua companheira. A vítima, machucada e fragilizada física e psicologicamente, percebe seu parceiro arrependido e esse promete que a situação não mais ocorrerá pois ele percebeu o quanto ela é importante para sua vida. Então ocorre o perdão e infelizmente o ciclo da violência se reinicia.

É importante lembrar que nenhuma agressão ocorre de uma hora para outra, é um ato construído historicamente tanto na vida da mulher como na vida do homem, como dito anteriormente nesse texto é um fato social.

Relacionar-se com um outro diferente de nós não é fácil. É preciso adaptações e renuncias que muitas vezes não estamos dispostos a fazer. Desse modo, muitas vezes aceitamos viver relações abusivas e agressivas por medo de estarmos sozinhos. Não é saudável aceitar tudo, procure ajuda.

Relacionamento é soma, é afeto, é companheirismo e parceria. Se não trouxer paz, não é amor.

JACKELINE MARTINI

Psicóloga formada pela Universidade Federal de Alagoas- UFAL. Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Doutoranda em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco. Foi professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Atualmente é Coordenadora do Núcleo de Psicologia UNIGRAN Capital (NPU). Professora Adjunto I e Supervisora Clínica na Faculdade UNIGRAN Capital. É Perita Judicial ad hoc na Vara da Infância, Juventude e do Idoso de Campo Grande/MS. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Pesquisadora Coordenadora do Projetos de Pesquisa Docente vinculado ao Programa institucional de bolsas de iniciação científica (PIBIC), da Faculdade UNIGRAN Capital. Realiza estudos em Psicanálise, Clínica Psicanalítica, e Adoção. Tem experiência em Saúde Mental. Atende em consultório particular