A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de considerar que o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) está de acordo com a Constituição, deve impor uma dívida bilionária a produtores rurais do Brasil. É o que explica o advogado especialista em direito previdenciário, Luciano Caram, do escritório Caram Sociedade de Advogados.
No julgamento da quinta-feira (30/3), os ministros avaliaram um recurso da União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que afastou a incidência da contribuição. Luciano Caram explica que esta decisão de segunda instância da Justiça Federal, de 2011, tinha caráter liminar. Ou seja, a cobrança ficou suspensa, mas não significa que deixou de existir.
O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural foi instituído no artigo 25 da lei que define as fontes de custeio da Previdência Social (lei 8.212/91). Desde então, foram publicadas várias normas de contribuição. Uma destas, a Emenda Constitucional (EC) 20/1998, fixou as alíquotas e bases de cálculo. Outra, de 2001 (lei 10.256/01), modificou o artigo 25 da lei de custeio.
O processo no Supremo discutia se a cobrança era constitucional conforme a redação de 2001, que aproveitou itens da Emenda de 1998. “A Emenda já previa a cobrança (sobre o faturamento) e essa lei (10.256/01) só regulou. Por isso, o Supremo entendeu que está de acordo com a Constituição”, avalia Luciano Caram.
O acórdão do STF derruba a liminar do TRF-4 e libera o governo a ir atrás dos contribuintes. Para o advogado, o cálculo da dívida deve retroagir seis anos. Dependendo de quem faz as contas, o total a ser arrecadado para os cofres públicos é estimado entre R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões.
“Quem manteve o recolhimento do Funrural mesmo com a liminar ou fez o depósito judicial, está mais tranquilo porque fez o pagamento. Mas quem se amparou na liminar e não recolheu a contribuição desde 2011, terá que pagar com juros, correção e multa”, diz ele.
Caram, pondera, no entanto, que a cobrança retroativa não deve ser imediata. Pode haver pedidos de embargo para tentar mudar a decisão do STF. Casso sejam feitos, só depois dessa discussão o acórdão seria publicado e passaria a ter efeito. “Mas não acredito em mudança na decisão. Deve só protelar a cobrança”, acredita.
Quem tiver valores a recolher e ficar inadimplente, acrescenta Caram, pode sofrer restrições de acesso a financiamentos, como o crédito rural. Na opinião do advogado, será necessário o governo chegar a um acordo com os devedores para garantir a arrecadação.
O julgamento na corte máxima do país colocou em lados postos a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e outras lideranças do setor. A CNA manifestou publicamente apoio à manutenção da cobrança do Funrural, argumentando por meio de nota que a “forma de contribuição por meio de uma alíquota incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção é a maneira mais justa e vantajosa para a maior parte da produção rural brasileira”. Na avaliação da CNA, “essa forma de contribuição não onera a folha de pagamento e faz com que o produtor rural pague quando realmente detém capacidade contributiva, ou seja, quando há comercialização de sua produção.
A Federação da Agricultura de Goiás (Faeg) diz que a decisão é contrária aos interesses do segmento e causa insegurança jurídica, na medida que fere a isonomia dos critérios de tributação e contesta julgados anteriores.
Também por meio de nota, o presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Normando Corral, diz que “causou perplexidade” o comunicado da CNA favorável à decisão do STF “e oposta aos interesses dos produtores rurais”. Ele informa que comunicou ao presidente da CNA, João Martins da Silva Junior, “a contrariedade não só com a decisão do Tribunal, mas especialmente pela nota emitida pela entidade”.
A Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul (Famasul), que também é filiada à CNA, não criticou a entidade, mas manifestou preocupação, pois entende que a decisão do STF “não reflete a forma mais justa e equitativa de recolhimento dos valores devidos à Previdência Social, violando, assim, o princípio da igualdade e impondo ao produtor rural ônus indevido”.
A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) emitiu nota informando que ainda há outras pendências jurídicas que podem alterar a medida adotada pelo STF. Na avaliação da Abrafrigo a “a decisão foi política, em face das dificuldades financeiras pelas quais passa o país”, lembrando que existem 14,5 mil processos suspensos, aguardando o julgamento finalizado ontem.
A Aprosoja Brasil, que representa os produtores de soja, diz que lamenta a decisão do STF. Marcos da Rosa, presidente da entidade, argumenta que a medida não vai resolver o problema de caixa do governo, que é deficitário. Ele lembra que as cotações das commodities estão em baixa no mercado internacional e a arroba do boi está com preço muito ruim no Brasil.
“Os produtores de milho e soja, por causa da seca, acumularam dívidas para os próximos dois ou três anos e uma parte das dívidas estão vencendo agora no mês de março com os preços extremamente defasados no caso da soja. A cobrança não vai resolver o problema de caixa do governo e é um duro golpe nas contas dos produtores”, diz Rosa.
Marcos da Rosa observa que houve mudança de entendimento por parte do STF, que em decisão anterior havia considerado inconstitucional a cobrança da contribuição em julgamento de uma ação que envolvia o frigorífico Mataboi. Ele lembra que existem várias liminares de associações e de produtores isentando os produtores da cobrança.
Por causa deste passivo que acaba de ser criado, o dirigente sugere ao governo que crie um programa de refinanciamento similar ao Refis para permitir aos produtores o pagamento destas dívidas. “Temos um grande passivo que é impagável e como nos tornamos ilegais por não termos recolhido o Funrural nos anos que se passaram, só com um grande programa de refinanciamento do governo federal é que vamos poder quitar esta dívida”, diz ele.
Por Raphael Salomão e Venilson Ferreira Globo rural