Nunca vi tanta gente preocupada com o aspecto macilento e emagrecido do caixa do governo. Reduzido a pele e osso. Em junho de 2014 já estava em milhões de telas de computadores, mundo afora, o alerta que uma analista do Santander fez a seus clientes investidores, antevendo o que iria acontecer com a economia nacional. Não era bola de cristal, mas trabalho sério de quem acha que não se deve brincar com dinheiro alheio. Bola de cristal, bem fajuta e perdulária, era a usada por Dilma, pelos técnicos do governo e por Lula, que assim comentou a circular enviada pela funcionária do banco: “Não entende p…. nenhuma de Brasil” e sugeriu: “Pode mandar embora e dar o bônus dela pra mim, que eu sei como é que eu falo”.
A analista foi imediatamente demitida. O cartão vermelho do governo demoraria ainda dois anos para lhe ser exibido. Também no Brasil, e há bom tempo, técnicos sensatos, comentaristas esclarecidos, economistas experientes como os membros do grupo Pensar+ do qual participo, alertavam sobre as consequências da irresponsabilidade fiscal. A gastança criminosa promovida pelos sucessivos governos petistas nos conduzia ao inevitável estouro das contas públicas. A história registrará, entre os grandes infortúnios de nossa vida administrativa, a infeliz coincidência de termos vivido o ciclo mais favorável da economia mundial em muitas décadas sob gestão simultânea de uma organização criminosa e do mais destrambelhado dentre todos os nossos governos. Os tempos pródigos ampliaram largamente a voracidade e perpetuaram os danos causados nesse prolongado ataque por dois flancos. Agora são tempos de zelo com as contas públicas. Como é insensível o coração do caixa!
No entanto, esse necessário zelo não vem acompanhado do devido desprendimento. Parece tratar-se de algo que se exige “dos outros” para que as situações particulares permaneçam inalteradas. Todos querem responsabilidade fiscal para que a situação melhore e ninguém mexa no seu queijo (como no bom livro de Spencer Johnson). Imagino essa preocupação povoando, nestes dias, muitas reflexões sobre a situação do país. Deve pensar assim o ministro, viajando em jatinho da FAB. Também o deputado, cujo queijo se chama emenda parlamentar ou verba de gabinete. Não há de querer diferente o beneficiado pelo queijo da isenção fiscal ou do juro privilegiado. São perfumados os queijos especiais havidos por cargo ou função, por vaga nos superpovoados gabinetes políticos e por aposentadorias precoces. Há tantos queijos em busca de proteção! Eles se chamam, ainda, cartão corporativo e bolsa-empresário. E se chamam mordomias, têm carro oficial, motorista, garçom, copeiro e segurança. Imagino a multidão de seus usufrutuários a sonhar com um Brasil onde a austeridade geral permita que nada mude.
O exercício dos poderes de Estado não pode ocorrer na ausência do mais elementar senso de justiça. O Brasil precisa que seus cidadãos submetam às suas próprias consciências uma PEC das boas condutas e dos bons exemplos. Quando o avião sacode, balança inteiro, da primeira classe ao porão de carga.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.