Audiência de Custódia: combate à cultura do encarceramento e efetivação da defesa dos direitos humanos
Atualmente o sistema carcerário brasileiro é objeto de críticas por se mostrar ineficiente e incapaz de alcançar a meta de ressocializar o preso. As penitenciárias do País estão superlotadas, não apresentando condições mínimas de dignidade ao ser humano, com presos altamente perigosos – que praticaram crimes hediondos – convivendo no mesmo espaço físico com aqueles que praticaram crimes comuns. Por isso, os presídios são denominados entre os infratores da lei como a “Faculdade do Crime”, ou seja, local onde se adquire vasta experiência sobre a prática delituosa.
Em junho de 2014 o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgou dados atualizados sobre a população carcerária brasileira, informando que esta população era de 711.463 presos, já incluídos nesta conta o total de 147.937 pessoas que estavam em prisão domiciliar, apresentando um déficit de 354.244 vagas no sistema carcerário do Brasil.
O Brasil está entre os países que possuem as maiores populações carcerárias, sendo o primeiro lugar ocupado pelos Estados Unidos da América, com 2.228.424 presos, a China em segundo lugar com 1.701.344 presos, o Brasil em terceiro lugar com 711.463 presos, e a Rússia em quarto lugar com 676.400 presos. Quando não computadas as pessoas que estão em prisão domiciliar o Brasil está em quarto lugar, pois, neste caso, enquanto o Brasil possui 563.526 presos, a Rússia ocupa a terceira colocação com 676.400 presos.
Diante do cenário caótico brasileiro referente ao encarceramento, o presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, participou no início do ano de 2015, do lançamento do Projeto Audiência de Custódia, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), e, até o mês de outubro de 2015, o referido ministro conseguiu levar a iniciativa da audiência de custódia a todos os Estados do Brasil, implantando, deste modo, a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia em todo território brasileiro.
A audiência de custódia consiste em apresentar a pessoa presa em flagrante à presença do juiz, no prazo de 24 horas, onde o juiz analisará a legalidade da prisão, a necessidade e a adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. Além disso, o juiz poderá avaliar eventuais práticas de tortura ou outras irregularidades cometidas durante a prisão.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a ideia sobre a audiência de custódia é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.
É importante destacar que apesar de todo o trabalho para a aprovação, implementação e operacionalização das audiências de custódia, a obrigatoriedade da realização da audiência de custódia já estava devidamente prevista em acordos internacionais ratificados pelo Brasil, conforme o item 3, do artigo 9º, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas, que preceitua o seguinte: “Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade”.
A obrigatoriedade de realizar a audiência de custódia também está prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, sendo esta Convenção incorporada no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992.
O item 05, do artigo 07 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos dispõe que: “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”.
Por fim, é oportuno salientar que a Emenda Constitucional n° 45, de 30 de dezembro de 2004, acrescentou o § 3°, no artigo 5°, da Constituição Federal de 1988, prescrevendo que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Assim, Os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil possui “status” normativo supralegal, estando abaixo da Constituição Federal e acima da legislação interna.
Ante o exposto, conclui-se que a implementação das audiências de custódia consolida o direito do indivíduo preso em flagrante ser conduzido, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais, apresentando, assim, grande relevância no combate as prisões ilegais e eventuais ocorrências de tortura ou outras irregularidades praticadas no momento da prisão, tendo o desígnio de garantir que todos os direitos e garantias individuais sejam respeitados no momento da prisão, efetivando, deste modo, o dever de cumprimento integral de todos os acordos internacionais ratificados pelo Brasil.
Autor:
Claudivino Candido da Silva
Bacharel em Direito e Especialista em Direitos Humanos pela UEMS
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3450831404470951
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