O sujeito estava indignado. Havia sido roubado, segundo me escreveu. Teria sido vítima de uma “saidinha de banco”? Levaram-lhe o carro? Comigo, aliás, já aconteceu isso e pior. Mas não era essa sua queixa. Imaginei que lhe tivessem tomado o posto de trabalho ou o poder de compra, na mão grande da recessão e da inflação. Tampouco era daí que provinha sua ira. O que o incomodava pessoalmente ao ponto de sentar-se para escrever-me era a subtração de seu voto. “Roubaram-me o voto que dei na eleição de 2014”.
Parei para revirar os bolsos da minha cidadania. Percebi que graças a votos como esse, centenas de bilhões escoaram pelo ralo da irresponsabilidade fiscal. Outro tanto no petrolão e em obras de estatais. E a cada semana aumenta a lista de crimes e de criminosos nas confissões e delações da Lava Jato e congêneres.
Meu leitor era um fã incondicional de dona Dilma. Um dos remanescentes. Daqueles que, mesmo diante de tudo que se sabe e do quanto mais se possa supor sem recorrer a trovoadas da imaginação, não sentem o menor remorso do sufrágio que lhe deram na última eleição presidencial. Seus neurônios, porém, esbravejam contra um dado inquestionável: para que ela volte ao poder, basta que 28 (só isso!) entre os 81 senadores considerem que Dilma não cometeu crime de responsabilidade, ou entendam que ela deve continuar governando mesmo tendo cometido esse gravoso crime. Por quê? Porque é o que está na Constituição, que vem sendo cumprida e continuará sendo cumprida até o final desse processo. Duela a quién duela.
Ele considera seu voto em Dilma mais valioso do que o bem do país, mais significativo do que todos os bilhões roubados. Seu voto paira acima dos sucessivos tombos do PIB e da inflação de dois dígitos. Aquele voto dele despreza os 11 milhões de desempregados, o presente e o futuro sonegado a tantos numa conta sinistra que não para de crescer.
Vá que ele nunca tenha parado para pensar que presidencialismo sem impeachment é ditadura, mas como pode ele considerar que seu voto sozinho rasga a Constituição e anula o preceito do impeachment? Teria sido o caso de Fernando Collor uma pegadinha constitucional, para valer só uma vez?
Meu indignado leitor está irado, também, com algumas indicações políticas feitas por Temer. Nisso estamos de acordo, com duas enormes diferenças.
1a) Eu sempre estive indignado. Nunca chamei nenhum sacripanta de herói do povo brasileiro. Minha indignação moral não é seletiva.
2ª) Sob o governo Temer, uma certeza eu tenho e espero que seja suficientemente majoritária ao término do julgamento em curso no Senado: a área financeira de seu governo não dorme de touca nem fecha os olhinhos quando bilhões somem do erário e das estatais.
Eles não precisam posar de gerentões ou faxineiros para fazer a limpeza que a nação – legítima soberana da democracia – exigiu nas ruas.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.