Caso de mulher resgatada de cárcere após filho levar carta de socorro a escola acende alerta para ciclo do relacionamento tóxico

“Não para na primeira agressão e se torna frequente na vida da mulher. Então, denunciem”, alertou o delegado Johanes Deguti, que prendeu suspeito de agredir e manter a esposa em cárcere na fazenda onde moravam, em Água Clara (MS). O caso veio à tona após a vítima escrever uma carta pedindo socorro e enviar para a escola do filho, no distrito Pouso Alto em Paraíso das Águas.

O agressor teve a prisão preventiva decretada e o inquérito deve ser concluído nos próximos dias, ressaltou o delegado.

A vítima e o suspeito estavam em um relacionamento há anos. A mulher já havia separado do marido em duas situações, mas ele sempre a convencia a voltar, prometendo que cuidaria melhor dela e dos filhos.

“Ele sempre ia atrás falando que ia mudar, que amava ela, que não ia agredir ela. Mas isso só durava uma ou duas semanas, depois já retornava o ciclo de violência”, apontou o delegado.

 

Relacionamento abusivo

 

Projeto Violentômetro da Coordenadoria da mulher do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB). — Foto: Reprodução
Projeto Violentômetro da Coordenadoria da mulher do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB). — Foto: Reprodução

 

O relacionamento dos dois foi marcado por ofensas e violências, todos presentes no ciclo do relacionamento tóxico, elencados pelo “Termômetro de Violência Contra a Mulher”, produzido pela Universidade Uniasselvi.

O estudo mostra que a violência doméstica pode começar com piadas ofensivas, mentiras, ofensas em público, mas o fim da linha pode ser o feminicídio.

Mesmo que pareça difícil interromper o ciclo, o delegado ressalta a importância de denunciar as agressões.

“A partir do momento que ele levanta a mão para a mulher, ele pratica a primeira agressão. É apenas o início do ciclo de violência física. Denunciem, e não acreditem nesse papo de que ele mudar, que ele te amo e que não vai acontecer de novo, porque acontece“, reforçou.

 

Carta foi pedido de ajuda

 

O jeito que a mulher achou para pedir ajuda, foi entregando uma carta pedindo socorro para o filho, que levou para a escola e entregou para a diretora.

“Bom dia, é a mãe do ***, estou entrando em contato com vocês porque preciso muito de ajuda. Sou vítima de violência doméstica. Ontem o meu companheiro me agrediu novamente, meu filho entrou na frente pedindo para ele não me bater e ele bateu no meu filho também”, escreveu .

 

 

Mesmo que não estivesse presa, vivia em cárcere

 

A vítima não vivia presa com cordas ou correntes, mas o marido não a deixava fazer qualquer tipo de contato com o mundo exterior. A mulher era estringida a cuidar dos filhos, limpar a casa e cozinhar.

“Ela não podia ter contato com o mundo exterior, ninguém além dos filhos e do marido. Então, ela não tinha acesso a telefone celular, aos demais moradores da fazenda. Vivia incomunicável”, apontou o delegado.

 

Sem ninguém para pedir ajudar e sob ameaças constantes de morte, a mulher tentou o que podia para conseguir a liberdade, inclusive, convencer o agressor.

“Ela tinha tentado conversar com o marido diversas vezes, mas todas as vezes ele negava. Falava que ele não ia levar ela embora, que ela nunca iria embora. Inclusive, se ela tentasse fugir, ele mataria ela”, completou.

O que pode ser considerado cárcere?

 

  • Impedir a vítima de sair de casa;
  • Não deixá-la ter contato com outras pessoas e impedir a posse de aparelhos eletrônicos;
  • Prendê-la em quartos, armários, porão, ou qualquer similar;
  • Qualquer ato que interfira Direito Constitucional do cidadão à livre locomoção.

 

A pena prevista para este tipo de crime é de um a três anos de reclusão. Contudo, ela pode ser aumentada para dois a cinco anos nos seguintes casos: se tiver fins sexuais; se a vítima for parente ou cônjuge do agressor; se for menor de 18 anos ou tiver passado dos 60 anos; ou se for através de internação indevida em hospital ou clínica psiquiatra.

Se a vítima sofrer maus tratos, tanto físicos como morais, a pena ainda pode ser aumentada em até oito anos.

O caso

 

Com auxílio do Conselho Tutelar e da Coordenadoria da Mulher, a polícia foi até a área rural de Água Clara e encontrou a mulher em situação de cárcere privado e com sinais de violência doméstica. Na carta, a vítima alegava ter sido mantida refém e viver sob constantes ameaças.

Na fazenda, a Polícia Civil prendeu o suspeito em flagrante pelo crime de cárcere privado e posse e porte irregular de arma de fogo de uso permitido, já que com o homem foram apreendidas uma espingarda e munições.

Ao g1, a diretora que recebeu a carta comentou que o menino chegou triste na escola e relatou que também foi espancado pelo padrasto.

“E ele perguntou, “‘diretora posso falar com a senhora? Minha mãe pediu para eu te entregar isso aqui, vou para a minha sala’. Achei que era cartinha de reclamação, temos mães que não têm acesso à internet, e sempre fazem isso, mas quando vi a carta, me arrepiei, fiquei muito abalada, ela corria risco e ele também”, relatou a diretora da escola, que pediu para não ser identificada.

 

Por Gabrielle Tavares e Alysson Maruyama, g1 MS e TV Morena