A Justiça condenou a 277 anos de prisão o médico ginecologista Nicodemos Júnior Estanislau Morais pelo crime de estupro de vulnerável contra 21 mulheres, em Anápolis, a 55 km de Goiânia. “A medicina existe para curar as pessoas, não para feri-las ainda mais”, destacou a juíza Lígia Nunes de Paula na decisão.
O g1 entrou em contato com o advogado Carlos Eduardo Gonçalves Martins, que defende o médico, que afirmou que vai recorrer da condenação e informou que o condenado está preso. Nicodemos já havia sido condenado em abril de 2022 a 35 anos de prisão pela justiça de Abadiânia, no Entorno do Distrito Federal.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), o médico foi condenado a 163 anos de prisão pelo crime contra 12 vítimas e, no outro processo, envolvendo 9 mulheres, a 114 anos. Além disso, informa que ele deverá pagar R$100 mil de indenização por danos morais para cada uma das vítimas.
As sentenças foram dadas pela juíza titular da 2ª Vara Criminal da comarca de Anápolis, Lígia Nunes de Paula, no dia 7 de junho. No total, a pena para o ginecologista é de 277 anos, 2 meses e 19 dias de prisão em regime fechado. Na decisão, a magistrada destacou a importância da dignidade sexual das pacientes.
“A medicina existe para curar as pessoas, não para feri-las ainda mais. Essa indispensável profissão, apesar de fundamental para a manutenção sadia da coletividade, não se sobrepõe a direitos de estirpe constitucional e tutelados pelo direito penal, como, dentro outros, o direito à liberdade e dignidade sexual”, escreveu a juíza.
Paula ainda diz que a “técnica de anamnese mais completa”, que o médico disse usar para perguntar e examinar as pacientes em maiores detalhes durante as consultas, é uma uma maneira de mascarar o intuito lascivo travestido de técnica médica, apesar da aparência de “zelo”. A juíza ainda enfatizou que Nicodemos usou a profissão de ginecologista como pretextos para cometer os crimes.
A culpabilidade do réu é desfavorável, uma vez que os estupros foram praticados por meio de ardil, se valendo do pretexto de realizar um exame ginecológico para praticar os atos libidinosos, demonstrando a maior reprovabilidade de seu comportamento. Em reforço, o agente se valeu da sua condição de médico ginecologista para praticar os atos, desprestigiando sua profissão e demonstrando um alto nível de instrução”, disse.
Investigação
Nicodemos se tornou alvo de investigação depois que mulheres procuraram a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Anápolis para denunciar que foram vítimas de crimes sexuais dentro do consultório. No início foram três, mas o caso ganhou repercussão e outras vítimas se sentiram seguras para registrar os crimes.
O médico foi preso pela primeira vez prisão dele foi em 29 de setembro de 2021, após as três priemeiras pacientes relatarem os abusos à Polícia Civil.
Apesar do número de denúncias, o médico foi solto em 4 de outubro por decisão da Justiça, passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica. No entanto, mais vítimas de Abadiânia registraram ocorrências e ele foi preso novamente em 8 de outubro do mesmo ano.
Relatos de pacientes
As vítimas relatam diversos tipos de comportamento e comentários com conotações sexuais por parte do ginecologista.
Uma das mulheres disse que, durante uma consulta, o médico elogiou os olhos e o órgão genital dela. Em seguida, perguntou sobre sua relação sexual com o marido.
“Eu fiquei congelada e ele fazendo manipulações, isso tudo com os dois dedos introduzidos na minha vagina. Eu não consegui nem respirar no momento. É uma situação que a gente nunca espera que vai acontecer”, contou.
Outra paciente disse que foi abusada pelo ginecologista durante o atendimento. Ela decidiu falar sobre o caso após a prisão do médico.
“Ele teve conversas inadequadas, me mostrou sites obscenos, brinquedos eróticos e tocou em mim não da forma que um ginecologista deveria tocar. Quando ele colocou minha mão na parte íntima dele, sabe?”, descreveu.
Entre as denúncias, também está a da aromaterapeuta Kethlen Carneiro, de 20 anos, que procurou a Polícia Civil para relatar que foi abusada por ele quando tinha 12 anos. Durante o atendimento, segunda ela, o médico sugeriu a leitura de material pornográfico.
“Ele veio me falar que eu podia começar a me masturbar. Me mostrou histórias em quadrinho pornô e vídeos. Me mandando os links e quais eu podia assistir. Depois levantou, pegou minha mão e colocou nele, na parte íntima dele”, disse.
Em conversa por uma rede social, outra paciente pede informações ao ginecologista sobre o uso do anel vaginal, um método contraceptivo. Em um momento, ela pergunta se ele não atrapalha a relação sexual e se o parceiro não o sentiria. O médico, então, responde:
“Bom, minha namorada já usou e eu não percebi diferença alguma. Posso testar kkk. Brincadeira”.
Por Augusto Sobrinho e Vanessa Martins, g1 Goiás