Produtor vende créditos de soja sustentável para Europa e abre caminho para outras propriedades
Cooperativa Frísia promove mentoria para apoiar novo grupo de agricultores em busca da certificação. A venda pode chegar a US$ 10 por crédito de soja responsável
Ao chegar à Fazenda Pau Furado, em Teixeira Soares (PR), a 20 minutos de Ponta Grossa, já é possível perceber que se está em uma propriedade diferenciada. Em pouco mais de 800 hectares, a organização de cada espaço chama a atenção.
É dali que foi efetivada a primeira venda de créditos de soja sustentável de um cooperado da Frísia para empresas da Dinamarca e da Alemanha, em janeiro deste ano.
Essa foi a primeira vez que a cooperativa intermediou a venda de créditos, por meio de um programa interno denominado Fazenda Sustentável.
A iniciativa visa ampliar a sustentabilidade e competitividade dos cooperados e o produtor Fabiano Gomes, proprietário da Pau Furado, foi o primeiro a obter a certificação da Associação Internacional de Soja Responsável (RTRS – do inglês Responsible Table Round Soybean).
Dos 2.281 créditos ofertados na plataforma da RTRS, o primeiro lote – com a metade dos créditos -, foi vendido a US$ 2,50 cada para a empresa dinamarquesa, duas semanas após a oferta. Logo em seguida, o segundo lote com o restante da produção, disponibilizado a US$ 2,80, foi adquirido pela empresa alemã.
Cada tonelada de soja certificada é equivalente a um crédito, o que resultou em uma renda extra de R$ 31 mil ao proprietário.
“Nosso foco não era a rentabilidade, nem tínhamos vislumbrado isso”, comenta Gomes. A propriedade, que pertenceu ao seu avô e que hoje é dele e de dois irmãos, tem seis décadas e vem sendo preparada para a certificação há pelo menos quatro anos.
Critérios
Para atingir o padrão RTRS de produção de soja responsável, é necessário atender a princípios referentes a cumprimento da legislação e boas práticas empresariais, condições de trabalho responsáveis, relações com a comunidade, responsabilidade ambiental e boas práticas agrícolas.
A repetição do termo “responsável” não é à toa. No que diz respeito às condições de trabalho, por exemplo, são verificados aspectos referentes à inexistência de trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação e assédio, com a garantia de que todos os filhos de colaboradores diretos e residentes na fazenda tenham acesso à escola.
Além disso, é preciso assegurar a saúde e a segurança dos trabalhadores. Tarefas potencialmente perigosas devem ser realizadas apenas por pessoas capazes e competentes e o vestuário e equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados devem ser fornecidos e utilizados.
Produtor Fabiano Gomes, proprietário da Fazenda Pau Furado — Foto: BHP Produtora
Do ponto de vista ambiental, o proprietário precisa comprovar que os impactos sociais e ambientais – dentro e fora da área – foram avaliados e, também, que foram tomadas medidas para minimizar e mitigar quaisquer impactos negativos.
Além de apontar esforços para reduzir as emissões e aumentar o sequestro de Gases de Efeito Estufa (GEE) na fazenda, com monitoramento do carbono no solo e plano de gestão de resíduos.
A área deve ter vegetação nativa preservada, o manejo integrado de culturas (MIC) e a qualidade do solo devem ser priorizados, com uso responsável de agroquímicos. Ao todo, são 106 indicadores obrigatórios e progressivos de conformidade, conforme informações disponíveis no site da RTRS.
“Duas coisas são mais difíceis: a mudança da estrutura, porque requer recursos, e a mudança de mentalidade dos colaboradores – é importante que eles abracem a causa”, ressalta Gomes, que afirma dar liberdade aos funcionários.
Alimentação entregue por um motoboy particular durante o trabalho na lavoura e salão de festas exclusivo para eles na propriedade são alguns dos diferenciais. “Queremos que eles trabalhem felizes”, diz.
Para adequar a estrutura, foi preciso instalar o posto de combustível para as máquinas agrícolas e o ambiente para estoque e manipulação dos defensivos agrícolas a uma distância segura das casas dos funcionários, assim como da lavoura.
O agricultor acredita que a maior riqueza da propriedade é o solo, o que garante a produção de um grão de qualidade, com alta produtividade aliada ao uso de pouco fertilizantes químicos.
Ele avalia a certificação de maneira positiva, com visibilidade e retorno financeiro à propriedade, tendo em vista que a negociação pode chegar a US$ 10 por crédito de soja sustentável.
A fazenda conta com cinco colaboradores que atuam diretamente no campo e dois gerentes – um operacional e um administrativo. São cultivados na propriedade soja, milho e feijão, como culturas de verão, e aveia, cevada e trigo como culturas de inverno.
A Pau Furado já é certificada para a cultura da cevada – que também conta com outras fazendas certificadas na região e ganhará impulso para a comercialização com a inauguração da Maltaria Campos Gerais.
Com relação à soja sustentável, entretanto, a propriedade de Gomes é pioneira na certificação e comercialização de créditos.
Propriedade tem seis décadas e vem sendo preparada para a certificação há pelo menos quatro anos — Foto: Divulgação
Apoio da cooperativa
Em 2021, já com a certificação, o proprietário havia feito uma negociação inicial dos créditos de soja sustentável por meio de uma operação intermediada pela própria certificadora, a US$ 0,76. Na sequência, ele aceitou a proposta da Frísia de partir para a negociação apenas com respaldo da cooperativa.
Segundo Jean Cesar Andrusko, especialista em Meio Ambiente da Frísia, desde 2012 a cooperativa vem atuando para capacitar os produtores quanto às práticas de produção responsável e sustentável.
A demanda surgiu dos próprios clientes, inicialmente da cadeia do leite, por meio da solicitação de implantação de processos de rastreabilidade e de controle de qualidade.
Em seguida, foram os compradores de trigo e de milho, e os produtores buscaram a certificação. Foi feita uma experiência por meio de consultoria especializada oferecida como bônus por uma das gigantes do setor de defensivos agrícolas em algumas das modalidades de compra, com padrões CRS (Certified Responsible Soya) e também RTRS.
Depois de conhecer o processo, a Frísia decidiu assumir a mentoria para os cooperados do Paraná e do Tocantins. Com o programa Fazenda Sustentável em andamento, Andrusko conta que já são 15 propriedades integradas às ações.
“A Fazenda Sustentável é um guarda-chuva em que todos os programas voltados ao cooperado nas áreas de suíno, bovino e agrícola estão alocados, como segurança do trabalho, treinamento aos colaboradores, gestão de processos, financeiro e de pessoas, sucessão familiar, certificação, entre outros”, explica.
O especialista revela que, em relação à soja, a expectativa é certificar um grupo de fazendas até o fim deste ano. “Já temos propriedades habilitadas para cevada, milho e trigo sustentável. A soja é a mais restrita, mas estamos fazendo essa escada e prospectando áreas com potencial para a certificação”, comenta.
Entre as fazendas cotadas estão áreas de 300 a 2.000 hectares. Andrusko explica que a certificação não é o foco principal: “o intuito é deixar as propriedades seguras e, ao mesmo tempo, atender os nossos clientes”. A bonificação para o produtor, que recebe um valor diferenciado pelo grão sustentável é, segundo ele, a cereja do bolo.
Transformação
Ao assumir a consultoria no processo pela busca da certificação, a Frísia disponibiliza apoio técnico para todas as etapas da transformação da propriedade. Documentação, adequação do espaço físico, adoção de EPIs, estrutura para os colaboradores, cumprimento de direitos trabalhistas, respeito à biodiversidade, processo de rastreabilidade e criação de um código de compliance estão entre os pontos destacados.
Andrusko também observa que o cooperado sente-se mais seguro, uma vez que não está expondo todos os seus dados a uma consultoria terceirizada.
Após a certificação, há duas modalidades de venda da soja sustentável – a comercialização do grão (soja física), que vai para a fábrica, ou a negociação dos créditos, por meio da qual a empresa compradora remunera a produção e usa o selo no produto fabricado por ela.
Essa venda é feita por meio de uma plataforma on-line aberta a diversas empresas do mundo. Aquela que comprar pode atestar que adquiriu soja certificada, ou seja, sustentável.
O cooperado não é obrigado a participar, mas, assim que apresenta interesse, assina um contrato simbólico e a cooperativa inicia a mentoria, que inclui visita à propriedade, diagnóstico e criação de plano de ação. “O produtor adequa a propriedade na velocidade dele”, completa o especialista.
Vantagens ao produtor
Segundo a RTRS, o processo é aplicável à produção de soja para finalidades múltiplas: consumo humano, ração para animais, biocombustível.
Entre as vantagens para o produtor apontadas pelas certificadoras está a implantação de uma ferramenta de gestão e estratégia sustentável, o que significa estar preparado para atender aos requisitos do mercado global. Além de uma demonstração do compromisso dele com as responsabilidades ambiental e social.
Globo Rural Por Carolina Mainardes — Teixeira Soares (PR)