Javali é único animal que pode ser caçado por quem conseguiu certificado de CAC

Mesmo com recentes flexibilizações do certificado de CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador) no Brasil, a legislação segue a mesma: atualmente, em todo o País, só podem ser caçados javalis, espécies exóticas consideradas “pragas” do ecossistema nacional, sobretudo de lavouras e rebanhos.

Segundo o Exército Brasileiro, a 9ª Região Militar – que engloba Mato Grosso e Mato Grosso do Sul -, cerca de 31 mil pessoas físicas têm este certificado de registro ativo. O órgão não disponibiliza dados de cada unidade federativa, mas o Estado tem 10º maior índice do País de armas por habitantes – a cada 115 moradores, há uma arma legalizada.

A lei 5.197, de 1967, proíbe caça ou prisão de animais silvestres de quaisquer espécies. No entanto, resolução publicada pelo Ibama, em 2013, cria uma exceção, que é a de javalis. Desde 2020, projeto de lei quer autorizar caça esportiva de animais silvestres no Brasil, mas a votação foi adiada.

A instrução normativa do órgão federal regulamenta para fins de controle. As espécies híbridas, como os “javaporcos”, também estão inclusas. A publicação declara a “nocividade da espécie exótica invasora javali-europeu […] em todas as suas formas, linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento com o porco doméstico, doravante denominados ‘javalis’.”

Catetos e queixadas, comum nas florestas, não estão inclusos na legislação, por serem de espécie diferente do javali, e sua caça é crime ambiental. Em geral, a detenção vai de seis meses a um ano, além de multa.

Pesquisa conduzida pelo biólogo Wagner Fischer, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), identificou linhagens híbridas chamadas de “javaporcos”, além do porco-monteiro, linhagem mais antiga de porcos invasoras no Pantanal, originada de raças de porcos domésticos também em estado feral.

Segundo o estudo, no Estado, há grande incidência de ataques a plantações por bandos de javalis em diferentes áreas do Estado, em pelo menos 60 municípios.

Em Rio Brilhante, por exemplo, prejuízos estimados em uma única plantação de milho, um dos principais alimentos da espécie, chegaram a R$ 1,5 milhão. Em outras regiões, agricultores registraram perdas de até 30% das áreas plantadas.

A pena para a caça de jacaré, por exemplo, vai de seis meses a um ano de prisão. A pesca predatória rende de um a três anos de detenção, além de multa que varia de R$ 100 a R$ 10 mil. Morte de onças também é proibida, sendo recomendado que se solicite o recolhimento por parte de órgãos ambientais.

Fiscalização da PMA apreendeu rifles de caçadores que atiravam contra tatus. (Foto: PMA)
Fiscalização da PMA apreendeu rifles de caçadores que atiravam contra tatus. (Foto: PMA)

Abate de javalis – Segundo o tenente-coronel da PMA (Polícia Militar Ambiental) Ednilson Queiroz, é a única caça permitida no País. “Pode ser aberta, algum dia, a licença, mas segue o único permitido no País, só javalis. Não tem nenhuma outra caça permitida pelo órgão ambiental, por conta da norma do Ibama declarando que é um animal nocivo.”

Ele ressalta que é proibido transportar o animal vivo, a fim de evitar transmissão de doenças, conforme determinação da Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal). “Ambientalmente e do ponto de vista sanitário, só não pode transportar o animal vivo.”

Um caçador, segundo ele, só precisa requerer licença no portal do Ibama para poder caçar. Não há restrições relacionadas ao sexo ou idade do animal. “Só precisa ter licença junto ao órgão ambiental. Não tem limite de tamanho, nem de quantidade, na verdade, a caça é para fazer o controle mesmo.”

Ele reforça que “as armas têm que ser legalizadas”, conforme legislação. Esta parte é restritiva, já que o porte ilegal confere até seis anos de prisão, no País. Conforme determinação publicada neste ano, CACs que alegarem estar se deslocando até clube de treino podem portar o equipamento, o que é alvo de críticas opositores do armamentismo.

A cada três meses, o caçador terá de enviar relatório para o Ibama, com a descrição do número de abatimentos feito, como forma de controle.

Não se pode criar mais, não se permite mais novos criadouros de javalis e a liberação ambiental para caça é quase que total. Só se restringe ao transporte do animal vivo. O problema é a liberação sanitária, não pode transportar. Pode até consumir no local, se quiser, mas tem que deixar no local onde abate.”

Por fim, Queiroz destaca que a caça do javali é legalizada, mas o crime de maus tratos pode ser cometido, caso a morte não seja feita de forma rápida. “Não se pode caçar javali com calibre .22, por exemplo.

“Você atirar com um calibre incompatível para um abate de javali, ele vai morrer de infecção e não do tiro. A menos que se acerte bem na cabeça, o que é difícil, mas pode caracterizar maus tratos, dependendo da forma como o caçador faz o abate.”

Javali e javaporcos podem ser caçados em MS. (Foto: Clarissa Alves da Rosa)
Javali e javaporcos podem ser caçados em MS. (Foto: Clarissa Alves da Rosa)

Espécie – Historicamente, o javali tem origem europeia e asiática, mas foi introduzido na América do Sul e os primeiros chegaram ao Brasil por volta da década de 1980. Além de oferecer risco à população, ele pode destruir cultivo e transmitir doenças a rebanhos, tais como aftosa ou leptospirose.

A espécie foi domesticada ao longo dos séculos e parte se tornou porcos domésticos, comuns em fazendas.

Eles também se reproduziram com estes porcos, dando origem à linhagem híbrida conhecida como “javaporco”, que possui alta capacidade reprodutiva – cada fêmea gera, em média, duas vezes por ano e a ninhada chega a 12 filhotes.

Os animais podem formar grupos com mais de 10 espécimes e invadem lavouras, comuns em Mato Grosso do Sul, em busca de alimento.

No Estado – Conforme levantamento da Embrapa, em 2007, o javali estava presente em sete cidades de Mato Grosso do Sul. Cerca de uma década depois, a espécie foi registrada em 46 municípios, sobretudo na região sul do Estado, onde há grande número de lavouras de cana de açúcar, soja e milho safrinha; três dos alimentos preferidos destes animais.

O porco doméstico é mais frequente na região Norte do território sul-mato-grossense.

Entre 2013 e 2016, Mato Grosso do Sul foi o quarto estado com maior número de abates de javalis, com 1,6 mil animais registrados pelo Ibama. Vale ressaltar que o número pode ser ainda maior, já que esta é a última atualização, bem como por conta da subnotificação de abates.

Em 2019, tiveram prioridade “extremamente alta” para o controle populacional de javalis sob o aspecto ambiental os municípios de Aral Moreira, Guia Lopes da Laguna e Ladário.

Tiveram prioridade alta as cidades de Laguna Carapã e Rochedo. Sob o aspecto socioeconômico, Douradina, Fátima do Sul, Laguna Carapã e Rio Brilhante foram priorizados, enquanto sob o aspecto sanitário, apenas, Corumbá.

Segundo o pesquisador em Ecologia e Conservação Wagner Fischer, a espécie foi trazida ao Brasil por criadores para exploração comercial da carne. Entretanto, livre na natureza, o animal se torna “praga invasora”.

“Fugas e solturas oriundas dos próprios criadouros, do comércio clandestino e da livre procriação desses animais com outras raças e linhagens de porcos domésticos nas áreas rurais, resultaram em populações de híbridos bastante férteis e vigorosos”, diz artigo.

Apesar da legislação, que permite a caça deste animal, Fischer avalia que ainda é preciso políticas públicas mais eficazes para erradicação da espécie. “É preciso estabelecer limites e restringir seus espaços o quanto antes.”

Caçar para comer – De acordo com a legislação vigente, é permitida a caça para fins de subsistência – ou seja, apenas para se alimentar, em caso extremo de fome. Esta lei, inclusive, possui uma série de critérios rigorosos.

A caça comercial de animais silvestres é proibida no País desde 1967 e a caça esportiva desde 2008.

Por exemplo, um morador de propriedade rural que tenha outros alimentos, como arroz ou feijão, não estaria apto a caça. Um indivíduo que viva em uma cidade, ou nas proximidades, também poderia pedir comida. Vale ressaltar que o Poder Judiciário e órgãos de fiscalização podem avaliar caso a caso.

Conforme o artigo 40 da lei 9.605, de 1998, povos indígenas que vivem em TIs (Terras Indígenas) podem usufruir de práticas como caça e pesca, de acordo com o Estatuto do Índio. No entanto, esta legislação restringe aos territórios de ocupação tradicional e os indivíduos não podem explorar o recurso com fins de comércio, como a venda de carne.

 

*Fonte: Guilherme Correia –  CAMPO GRANDE NEWS