No Pantanal da vida real, estrada é o curso do rio, pôr-do-sol de ‘cinema’

No Pantanal da vida real, estrada é o curso do rio, pôr-do-sol de 'cinema' Pantaneiros dividem como é a experiência de viver isolados em meio a maior planície alagável do planeta, junto a natureza.

Com estreia nesta segunda-feira (28), o remake da novela “Pantanal” tem como inspiração a realidade de cerca de 600 famílias pantaneiras, que vivem às margens dos rios da região, isolados em meio a maior planície alagável do planeta, no coração do Centro-Oeste.

A vida pantaneira segue um ritmo próprio. As regras são ditadas pelas fases da lua, pelo ciclo de vida dos animais e pelas águas. Para chegar aos locais mais afastados, onde as pessoas vivem ilhadas, é necessário seguir pelo curso do rio por horas.

O Pantanal é considerado a maior planície inundável do mundo – possui cerca de 250 mil quilômetros quadrados que se divide entre o lado norte, no Mato Grosso (MT) e no Mato Grosso do Sul (MS). A proteção da região é de responsabilidade conjunta do governo federal, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, e dos dois governos estaduais.

Atualmente, de acordo com levantamento realizado pelo projeto ‘Povo das Águas’, a região pantaneira em Mato Grosso do Sul conta com mais de 600 famílias, o que corresponde a aproximadamente 3.250 pessoas.

Veja nesta reportagem alguns relatos de pessoas que moram em um ambiente onde a força da natureza se faz presente e o céu se enfeita de cores; confira:

‘Seremos ouvidos e visto por esse Brasil’

A Área de Proteção Ambiental (APA) da Baía Negra, em Ladário (MS), é liderada por cinco mulheres: “nascidas e criadas no Pantanal”. Entre elas, Virgínia Lito, divide 51 anos, dos seus 55 de vida, com essa região, em que a paz transmitida pela natureza pode ser sentida em pequenas demonstrações, como os cantos dos pássaros.

Virginia relatou que a rotina do pantaneiro se orienta aos sinais da natureza, junto com os primeiros raios do sol é a hora de levantar, e aos sinais da lua, é o momento de se recolher.

“A rotina do pantaneiro é acordar cedo, acender o fogo a lenha, passar um café e ir para a lida, para depois retornar para casa e descansar para o outro dia. Por aqui o tempo é diferente. Descemos o rio, pescamos peixe e nos alimentamos com o que a natureza dá, esse privilégio não tem nada que pague”, disse.

Ao ser questionada se tem algum receio de viver reclusa em meio ao bioma pantaneiro, lugar em que é comum se deparar com jacarés, capivaras, tuiuiús, onças, cobras, macacos e outros tantos nativos do bioma, Virginia é enfática ao afirmar que não há do que temer, respeitando o espaço dos animais.

“Não tenho medo no meio do Pantanal, quando se respeita o espaço desde a formiga, não existe motivo para temer. O respeito pela natureza é o princípio de tudo, sempre! Moro com outras sete mulheres e todas sabemos do privilégio de estar aqui”, destacou.

Com a estreia nesta segunda-feira (28), as gravações de “Pantanal” foram realizadas nos mesmo locais onde foram feitas as da primeira versão, escrita por Benedito Ruy Barbosa em 1990. Virginia está ansiosa para acompanhar a história, que mora no coração de todos os brasileiros, e principalmente no do pantaneiro, que está sendo representado.

“Todo dia me apaixono pelo meu Pantanal, é uma riqueza muito grande que agora todos irão conhecer. Estou muito ansiosa para acompanhar a novela, agora seremos ouvidos e vistos por esse Brasil, isso é muito emocionante”, celebrou.

‘Vou ser representado na TV’

Há 23 anos morando na beira do rio, como legítimo pantaneiro, Gerverson Soares Cartelo, de 27 anos, trabalha como peão em uma fazenda na região de sua comunidade na região de Ladário (MS). “Desde cedo a gente aprende a encarar os mosquitos e levar a vida por aqui. Hoje tenho duas pantaneiras, que nasceram dentro do rio Paraguai e mais uma a caminho”, disse.

Com duas crianças em casa e mais um bebê a caminho, ele percorre mais de 80 quilômetros diariamente para trabalhar e buscar sustento para a família. “Trabalho com o gado, trator e formo pasto, com o tempo você se acostuma com a distância. O importante é conseguir o sustento e voltar para ficar com as minhas filhas”, apontou.

O pantaneiro também está ansioso pela estreia do remake Pantanal. Ele não assistiu a primeira versão da novela e espera se reconhecer nos personagens. “Vou ser representado pelo meu Pantanal na TV. Trabalho em fazenda como peão de campo, agora vamos nós assistir, o que é muito gratificante. Será a nossa história sendo vista e falada para o Brasil”, destacou.

Quando questionado sobre o que mais o surpreende no bioma pantaneiro, Gerverson pontua que em cada nova estação, a região se transforma e cada dia é único. Segundo ele, há quem diga que nem parece o mesmo lugar.

“Só vivendo aqui para entender como é especial, não troco meu Pantanal por nada”, afirmou.

‘O Pantanal chama a gente’

É assim que o pantaneiro e pecuarista, Armando Lacerda descreve a sua ligação com o bioma do Pantanal, sendo esse o local que reside há mais 30 anos, entre idas e vindas.

“O Pantanal sempre puxa a gente de volta, existe uma força irresistível que faz a gente voltar, e quando não estivermos aqui, algum dos filhos vai sentir esse chamado interruptível. Muitas pessoas têm uma fase urbana, mas que acaba voltando”, declarou.

Como legítimo pantaneiro, Armando mora do Porto São Pedro, localizado no entorno da Serra do Amolar. Ele detalha que a ‘estrada’ dos moradores da região é o curso do rio, em um trajeto que demora pouco mais de cinco horas de barco para chegar à cidade mais próxima, que fica em Corumbá (MS).

“Você vive isolado, mas é uma eterna continuidade. Em algumas épocas do ano você lida com mosquito o tempo todo, mas também tem pacu da hora, todo dia, um pôr-do-sol maravilhoso e o contato direto com as belezas da natureza. Sempre vale muito a pena!”, descreveu.

Armado contou que o amor pelo Pantanal atravessa gerações, e o sentimento de cuidado e preservação sempre existiu. “O Pantanal não tem dono, a gente ama esse lugar e preserva, cuidando para as pessoas que vêm depois, sinto que estamos cumprindo uma missão”, declarou.

‘Não podem ser esquecidos’

Mesmo isolados, mais de 600 famílias são atendidas pelo projeto ‘Povo das Águas’. A iniciativa leva serviços médicos, odontológicos, assistenciais e educacionais para diversas regiões do Pantanal. A coordenadora do projeto, Elisama de Freitas Cabalhero, de 53 anos, atua na linha de frente para auxiliar as famílias que vivem reclusas em meio ao bioma há mais de 13 anos.

A ação visa promover o desenvolvimento comunitário integrado e sustentável nas comunidades. Apesar da equipe reduzida, os serviços foram todos mantidos normalmente durante a pandemia da Covid, com os cuidados necessários.

“Não é porque vivem em uma região remota, que devem ser esquecidos. Eles são cidadãos brasileiros e têm total direito de ter acesso a saúde, educação, assistência social e todos os serviços disponíveis”, destacou.

A ação envolve todos os segmentos públicos, sociedade civil organizada e colaboradores que possam atender a população pantaneira prestando-lhe serviços de qualidade e oferecendo-lhe condições de minimizar as adversidades.

 

 

 

Por Rafaela Moreira, g1 MS