Agricultores de Mato Grosso do Sul têm um desafio em 2022. Depois de um começo de ano tumultuado pelas perdas climáticas, a invasão da Rússia na Ucrânia pode ter criado um novo obstáculo para a produção da safra 22/23.
O Correio do Estado apurou com alguns produtores que a falta de insumos pode levar a não utilização de fertilizantes no seguinte ciclo de plantio por alguns agricultores.
Vilson Brusamarello, ex-presidente do Sindicato Rural de São Gabriel do Oeste, relata que não é possível saber como estarão os preços dos produtos até o início da safra.
Vilson assegura que não há preocupações em relação à safrinha. “Já está praticamente plantada, não há problema nenhum aí. O que preocupa é a próxima safra. Eu penso que temos algumas alternativas, como plano B e C”.
O produtor se refere à movimentação feita por cooperativas rurais para buscarem outros fornecedores e também aos esforços feitos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em encontrar fornecedores para suprir a demanda antes fornecida por Rússia e Bielorrússia.
Segundo ele, este seria parte de um plano B, no qual a comunidade agrícola se mobiliza atrás de fornecedores com a capacidade de tomarem os papéis destes dois países envolvidos na guerra contra a Ucrânia e alvos de duras sanções internacionais.
De acordo com André Dobashi, presidente da Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso do Sul (Aprosoja-MS), “caso não tenhamos novos mercados e alternativas, poderá fazer da safra de soja 2022/2023 a mais cara da história”.
Éverton Tiago Bortoloto, engenheiro agrônomo que atua na região de Campo Grande, atesta que os preços estão bem inflados. Ele deu como exemplo o KCL (cloreto de potássio), que custava entre R$ 1.800 a R$ 2.200 a tonelada no último ano e no começo de 2022 já está sendo negociado a quase R$ 8 mil.
“Quem não comprou antes, não está comprando agora”, define ele sobre a situação do produtor rural, que neste momento tem de decidir entre comprar com preços inflados ou preparar uma plantação com menores resultados.
“O produtor pode diminuir a adubação, em vez de 300 kg de NPK [nitrogênio, potássio e fósforo], agora ele pode fazer 250 kg ou até 150 kg. Ele tem de mudar a formulação ou pagar mais caro no produto”, recomenda.
Pesquisador de Manejo e Fertilidade do Solo da Fundação MS Douglas Gitti ressalta que o cenário é para “incentivo da adoção do sistema plantio direto que, proporciona ao solo a capacidade de aumentar a eficiência das adubações”.
O presidente da Aprosoja/MS revela que os insumos subiram 40% em média de um ano para cá. Segundo ele, em um cenário atual, somente esse item, chega a custar 45 sacas de milho por hectare.
O mesmo item, adquirido no segundo semestre de 2021 correspondia a 32 sacas por hectare. Levando em conta a projeção do Sistema de Informações Geográficas de Mato Grosso do Sul (Siga), que sinaliza uma expectativa de produtividade para o milho segunda safra de 78,13 sacas por hectare.
“Ou seja, adquirindo fertilizantes nos primeiros meses de 2022, o agricultor destinaria mais da metade da safra de milho para pagar apenas fertilizantes”, sentencia Dobachi.
PLANO C
Mas para alguns não existem margens para mudanças. “Produtor de área nova tem de adubar, não tem como plantar sem fertilizantes e esperar produtividade alta”, comenta Bortoloto.
Essa possibilidade aventada por ele, seria o plano C para a safra. Comentada também por Brusamarello, este não seria o primeiro momento em que produtores de Mato Grosso do Sul plantariam sem o uso de fertilizantes.
Especialistas afirmam que existe um depósito no próprio solo em áreas cultivadas a mais tempo.
Cada safra completada deixa um resíduo de nutrientes no solo, como se fosse uma poupança de minerais, dessa maneira, o solo enriquecido facilita a redução ou até a não utilização para quem tem mais tempo de lavoura.
Vilson Brusamarello ressalta que esse tipo de escolha deve ser feita com muita cautela. “O produtor precisa de uma consultoria especializada para saber se o solo tem condições de suportar uma safra sem os aditivos. É uma escolha que depende de muito estudo”.
Douglas Gitti segue a mesma linha de Brusamarello e ressalta que é importante enfatizar “a adoção dos critérios de adubação conforme os teores de nutrientes no solo e o potencial de produção dos cultivos”.
ENTREGA
Ambos os especialistas afirmam que alguns produtores conseguiram comprar estoque que pode durar para a próxima safra, mas a maioria não conseguiu os insumos.
Bortoloto afirma que as empresas estão cumprindo as entregas de pedidos feitos com antecedência, mas o futuro ainda é incerto, disse ele. “Daqui para frente ninguém sabe o que vai ser, tem muito produtor de cabelo em pé”.
De acordo com a Agência Nacional para a Difusão de Adubos (Anda), os estoques brasileiros devem durar apenas três meses, caso a situação não se regularize em breve.
Essa previsão contraria as declarações recentes da ministra Tereza Cristina, que assegurava estoques até outubro deste ano.
Em contrapartida, nesta semana, o titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (Semagro), Jaime Verruck, revelou que ainda existe a possibilidade de o Brasil encontrar um parceiro na Bolívia no tema dos fertilizantes.
Além de Canadá, Irã e Marrocos, os dois primeiros já visitados pela ministra Tereza Cristina e o segundo um potencial parceiro.
Mato Grosso do Sul é o sexto estado que mais importa fertilizantes de outros países. Conforme a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), quase 80% do fertilizante utilizado em Mato Grosso do Sul vem de países como Marrocos, Estados Unidos, China e Arábia Saudita, deixando cerca de 20% para a Rússia.
Rodrigo Almeida- correiodoestado