Em abril do ano passado, Telmo Santos registrou, no município de Santo Antônio da Patrulha (RS), um ‘cacho’ de cobras-verde penduradas sob os galhos de um pé de mexerica. A foto foi parar em um grupo no Facebook, na tentativa de entender qual fenômeno era aquele. O que ele não imaginava, porém, era que estava colaborando com a ciência: o comportamento compartilhado nas redes sociais foi descrito em uma nota científica de história natural na revista Herpetological Review, um periódico que reúne informações fundamentais para a compreensão da biologia das serpentes.
“O fenômeno registrado é chamado cientificamente de agregação reprodutiva. Ocorre justamente no período reprodutivo e o objetivo é o sucesso da reprodução da espécie por meio da cópula”, explica a bióloga especialista em répteis, Karina Banci.
“As fêmeas secretam pela pele hormônios sexuais chamados feromônios. Por meio do olfato, os machos são atraídos até a fêmea, conseguindo, inclusive, seguir as trilhas de feromônios que as fêmeas vão deixando por onde passam. Eventualmente muitos machos são atraídos ao mesmo tempo por uma fêmea só, o que faz com que eles se agreguem em volta dela, tentando copular”, detalha.
De acordo com a especialista apenas um ou poucos machos conseguem efetivamente copular. “Isto acontece porque, ao terminar a cópula, o macho secreta uma substância gelatinosa, chamada ‘plug copulatório’, que acaba bloqueando a cloaca da fêmea por algumas horas ou poucos dias, tempo suficiente para os outros machos dispersarem. Dessa forma, garantem a paternidade – ainda que paternidade múltipla seja bem comum em serpentes”, completa.
Fenômeno inédito para a espécie
Silara Batista, bióloga e autora da nota científica junto à Karina, destaca que há relatos de agregações reprodutivas com duração de uma hora até alguns dias e que o caso mais clássico desse comportamento é com a cobra-liga-comum, uma espécie norte-americana que costuma hibernar no inverno. “Quando chega a primavera os machos saem primeiro e, na saída das fêmeas, se agregam na tentativa de copular”, detalha a bióloga, que indica ser o primeiro registro do fenômeno entre cobras-verde (Philodryas olfersii) no Brasil.
“Apesar da riqueza de serpentes no País há relatos de agregação reprodutiva em poucas espécies, como a sucuri, a coral-verdadeira e, agora, na cobra-verde – descrita nesse trabalho”, diz.
Que vença o melhor
De acordo com Silara, a hipótese é de que o fenômeno aumenta as chances de sucesso reprodutivo da espécie. “Ao promover uma agregação de machos em volta de si a fêmea induz, indiretamente, uma seleção sexual. De acordo com a teoria, ela escolhe machos com maior ‘fitness’ reprodutivo, ou seja, indivíduos maiores, mais vistosos e mais saudáveis”.
“O benefício para a espécie é que as fêmeas produzirão filhotes de machos que têm maior probabilidade genética de gerar filhotes saudáveis e adultos com sucesso reprodutivo”, completa a especialista.
Espécie registrada
As serpentes registradas por Telmo são cobras-verde (Philodryas olfersii), espécie amplamente distribuída na América do Sul. “Apesar de não ser considerada peçonhenta, é uma serpente de interesse médico, pois há relatos de acidentes ofídicos com a espécie de gravidade baixa a moderada”, explica Karina.
Ciência Cidadã
Graças à curiosidade e preocupação de Telmo para descobrir do que se tratava aquele flagrante as cientistas puderam contribuir com informações técnicas que, depois de publicadas, servem de referência para pesquisas e ações de conservação das serpentes. “Muitos dos registros de história natural de serpentes são feitos a partir de fotos ou vídeos gravados por cidadãos comuns. Infelizmente nem sempre essas pessoas têm interesse ou acesso a um cientista que possa informá-la e orientá-la corretamente. Contudo, quando isso acontece, eventos interessantes e fundamentais para o estudo da fauna são realizados, como neste caso”, finaliza Karina.
Por Giulia Bucheroni, Terra da Gente