Queijaria familiar de Chapadão do Sul surpreende em concurso na França
Família garante medalha e põe o Estado no mapa da produção de queijos artesanais
No fim do mês de agosto, o veterinário Fabrizio Machado, de Chapadão do Sul, estava com a agenda ainda mais apertada.
Além do trabalho de assistência ao gado leiteiro em fazendas da região e da rotina com o pequeno rebanho que mantém em sua propriedade, o gaúcho de 41 anos precisava escolher as melhores peças de queijo da produção artesanal que, com a esposa Juliana e as duas filhas, vem tocando desde o ano passado.
Os queijos selecionados somavam em torno de dois quilos e, com uma escala em Minas Gerais, seguiriam para Tours, na região central da França, para a disputa de uma das medalhas em jogo no Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, uma espécie de campeonato mundial do queijo.
Duas semanas depois, a cidade que nasceu no encontro de dois rios, mais conhecida por seu polo universitário, pelo time local de futebol e por ser a terra natal de Balzac, via o mundo se curvar-se aos queijos brasileiros.
E, surpresa, pela primeira vez Mato Grosso do Sul figurava entre os grandes produtores de queijo artesanal do planeta, justamente em uma competição realizada no país que é considerado a grande potência mundial da categoria.
No dia 12 de setembro, domingo, quando o resultado foi anunciado, a família tinha ido passar o dia com parentes e amigos em um rancho na vizinha Cassilândia.
A telefonia móvel e a internet costumam ter sinal irregular na região.
“Após o Fabrizio ligar o celular, começamos a receber mensagens e mais mensagens nos grupos de queijeiros brasileiros. Ficamos surpresos e muito felizes, foi um misto de boas emoções”, relembra Juliana Machado.
Panteão mineiro
O mérito brasileiro, na verdade, é liderado por Minas Gerais. Entre 900 queijos de 46 países, o Brasil participou com 183 peças e trouxe na bagagem 57 medalhas, 20% do total, ficando atrás apenas da França.
Por sua vez, Minas sozinho conquistou 40 medalhas. E São Paulo, em segundo lugar, ficou com 15. Além desses estados e de Mato Grosso do Sul, participaram do Mondial du Fromage Pará, Goiás e Paraná.
Nas três peças enviadas, o selo do produtor estampava o nome e a origem do sonho: Moriá Queijos Artesanais, Chapadão do Sul, MS.
O queijo campeão, vencedor de uma medalha de prata no concurso, é o Moriá Nevada, feito com leite cru e fermentação a base de kefir (substância natural com microrganismos vivos, que auxilia no bom funcionamento da flora intestinal).
Sob a influência do clima quente e úmido, ao longo da maturação de no mínimo 30 dias, o queijo vai ganhando um aspecto rugoso e uma camada branca de mofo. O resultado é uma massa macia de aroma projetado e sabor suavemente ácido.
Sonhos e cogumelos
“Lembra cogumelos derretendo levemente na boca”, provoca Juliana Machado, fisioterapeuta de formação e queijeira pela deliciosa contingência familiar.
“Ele [Fabrizio] é quem faz os queijos. A parte da produção é toda dele. Eu, na verdade, ajudo na parte da maturação, na afinação e na venda dos queijos. A nossa filha mais velha nos ajuda com o marketing do nosso Instagram”.
Produzir queijos artesanais é um sonho antigo de Fabrizio Machado.
Apaixonado por gado leiteiro desde os tempos da graduação, na Uniderp, o veterinário fez uma pós-graduação na área e só bem recentemente mergulhou de cabeça no universo dos queijos, em uma pequena área arrendada “da fazenda do nosso compadre”, no Assentamento Aroeira, zona rural de Chapadão do Sul.
A produção engrenou para valer mesmo há menos de seis meses. “Para valer” muito entre aspas, pois não passam de 100 quilos de queijo por mês, que incluem, além do Nevada campeão, o Moriá Colonial, o Moriá Gold – ambos também foram degustados no concurso francês –, o Carvalho, o Mini Sol e o Reserva.
Senso de oportunidade
No início da pandemia, em 2020, com a paralisação do trabalho de assistência aos produtores leiteiros, o casal foi forçado a buscar uma alternativa extra de renda.
De poucas palavras, Fabrizio prefere deixar a comunicação do negócio familiar com Juliana.
O queijeiro nos conta apenas que a iniciativa começou no ano passado, de um jeito ainda tímido, com vendas restritas a amigos ou por meio de um estande na Feira do Produtor que ocorre na cidade.
Dos cursos que fez, ele destaca os de formato on-line, “um sobre queijos de casca natural com mofo”, e os que são conduzidos por feras como o canadense David Asher, “sobre produção do próprio fermento e queijos de mofo branco”, e o francês Laurent Mons, “sobre maturação e afinação”.
Toda essa imersão deve muito ao ingresso da Moriá na SerTãoBras, entidade sem fins lucrativos criada em 2007 com objetivo de funcionar como uma usina de ideias capaz de atender a demandas específicas de pequenos produtores rurais.
A escala em Minas Gerais foi para a entrega dos queijos sul-mato-grossenses ao estafe da entidade, que representou a Moriá e outros fabricantes brasileiros.
“O Fabrizio viu que o queijo agrega muito valor ao leite e quis viabilizar. Então ele começou a ler a respeito, a despertar aquela curiosidade e foi ele mesmo fazendo e lendo. Foi quando surgiu, enfim, o Moriá Queijos Artesanais”, resume Juliana, que nasceu em São Gabriel do Oeste e tem 42 anos.
“Agora com essa pandemia, ele começou a buscar um aprimoramento, porque é uma coisa que a gente fala: fazer queijo não é simplesmente fazer queijo, existe todo um processo, um conhecimento e um aprimoramento extremamente necessários”.
Sabor que não tem preço
O preço médio do quilo de um queijo com selo Moriá gira em torno de R$ 80, mas o ideal mesmo é entrar em contato pelo Instagram (@moriaqueijosartesanais) e levar uma prosa.
Além da variação permanente nos custos de produção, que costuma impactar bastante na venda final dos pequenos produtores, especialmente para o varejo, Juliana trata do assunto mais dentro do contexto de um sonho familiar do que de um balcão de vendas.
“É uma percepção de diferencial quando as pessoas me procuram e perguntam já o preço antes de mais nada. Eu gosto de conversar com elas, perguntar o que é que acharam dos queijos no Instagram, qual exatamente o interesse delas e começo a explicar”, , afirmou.
“Porque muitas não sabem desse valor agregado. E como nosso foco não é vender preço, mas vender um produto agregado, talvez eu bata bastante nessa tecla. Nosso propósito é levar a felicidade em forma de queijo”, completou.
Família unida
Devagar e sempre, a família segue colhendo os frutos do repentino sucesso com seus queijos especiais.
Entre estabelecimentos comerciais e pessoas físicas, Juliana conta que tem enviado encomendas para São Paulo, Rondônia, Paraná, Minas Gerais e outros estados.
“A maior demanda tem sido na cidade [Chapadão do Sul]. Somos pequenos produtores, estamos começando a engatinhar nesse universo queijeiro”, diz Juliana.
Com as filhas Micaela, de 14 anos, e Samara, de 10 anos, talvez o casal precise já ir pensando na próxima competição.
Desta vez, quem sabe, sem precisar mandar representante. A SerTãoBras anunciou que já foi confirmada a realização do 2º Mundial de Queijos do Brasil, em Inhotim (MG), de 15 a 18 de setembro de 2022, com a chancela da Guilde Internationale des Fromages, que organizou o Mondial de setembro deste ano em Tours.
Fonte: Correio do Estado – Marcos Pierry