Pesquisadores listam em carta 10 razões que mostram contágio por ar
Seis cientistas de 5 universidades dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido – incluindo a Universidade de Oxford – listaram, em uma carta publicada na revista científica “The Lancet”, 10 motivos científicos que apontam que o Sars-CoV-2 é transmissível pelo ar:
- Eventos ‘superespalhadores’ do vírus
- Transmissão fora do mesmo ambiente (caso na Nova Zelândia)
- Transmissão por assintomáticos
- Transmissão é maior em ambientes internos
- Transmissão em hospitais
- Vírus viável já foi encontrado no ar
- Vírus em filtros de ar e dutos
- Estudos com animais em gaiolas
- Não há evidências consistentes do contrário
- Provas de outras formas dominantes de contágio são limitadas
Abaixo, você poderá ler sobre eles em detalhes.
Mas, antes, veja três observações sobre o tema:
- Reconhecer o contágio pelo ar é importante porque acrescenta outras medidas necessárias para prevenir o contágio. Você também vai ler sobre isso mais abaixo (em “por que a transmissão pelo ar é importante?”)
- Várias evidências apontam, entretanto, que o vírus pode ser transmitido pelo ar em inúmeras situações. Na semana passada, em uma carta publicada no “British Medical Journal”, pesquisadores defenderam que o combate da transmissão pelo ar deveria ser prioridade na pandemia.
- A possibilidade de o coronavírus ser ou não disseminado pelo ar é uma das principais controvérsias da pandemia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera esse tipo de contágio possível apenas sob condições restritas, como durante procedimentos geradores de aerossóis. Um desses procedimentos é, por exemplo, a intubação.
Veja os 10 motivos científicos que apontam que o Sars-CoV-2 é transmissível pelo ar. Os autores são a pesquisadora Trisha Greenhalgh, de Oxford, na Inglaterra; Jose Jiménez, da Universidade do Colorado, Kimberly Prather e Robert Schooley, da Universidade da Califórnia em San Diego, Zeynep Tufekci, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, nos Estados Unidos, e David Fisman, da Universidade de Toronto, no Canadá.
1) Eventos ‘superespalhadores’ do vírus
Os eventos “superespalhadores” do vírus são responsáveis pela transmissão substancial do Sars-CoV-2; na verdade, tais eventos podem ser os principais impulsionadores da pandemia, avaliam os cientistas.
O vídeo (ACESSE AQUI), que foi ao ar no Fantástico em outubro de 2020, explica como funcionam esses eventos superespalhadores e mostra os riscos que eles apresentam para a transmissão do vírus.
Análises detalhadas de comportamentos humanos e interações, tamanhos de salas, ventilação e outras variáveis em apresentações de corais, navios de cruzeiro, matadouros, lares de idosos e centros de detenção, entre outros ambientes, mostraram padrões – por exemplo, a transmissão de longo alcance – que são consistentes com a disseminação pelo ar do Sars-CoV-2.
Nesses ambientes, argumentam os cientistas, a transmissão não pode ser explicada adequadamente por gotículas ou superfícies contaminadas.
“A alta incidência de tais eventos fortemente sugere o domínio da transmissão por aerossol“, afirmam os pesquisadores.
Os aerossóis são partículas muito pequenas que ficam em suspensão no ar depois de serem expelidas por alguém contaminado, por exemplo.
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2) Transmissão fora do mesmo ambiente
A transmissão de longo alcance do coronavírus entre pessoas que ficaram em quartos vizinhos (adjacentes), mas nunca na presença umas das outras, foi documentada em um hotel de quarentena na Nova Zelândia – país considerado um exemplo de combate à pandemia.
O hotel em questão foi adaptado para servir de quarentena a pessoas que vinham de fora do país. Cada quarto tinha seu próprio banheiro e nenhuma varanda.
Na ocasião, um paciente recebeu um resultado positivo para o Sars-CoV-2 no 12º dia de quarentena e foi transferido para a seção de isolamento da instalação. Antes de sua realocação, um adulto e uma criança – que haviam chegado da Índia juntos – estavam no quarto adjacente.
Tanto o adulto quanto a criança completaram sua quarentena de 14 dias. Cada um deles teve 2 resultados de teste negativos e nenhum sintoma relatado, mas, depois, recebeu resultados positivos para o vírus já fora do hotel.
Os cientistas concluíram que a criança e o adulto foram infectados enquanto estavam no quarto ao lado do paciente positivo. Uma análise dos circuitos fechados de televisão mostrou que não houve nenhum momento em que os três estivessem fora de seus quartos ao mesmo tempo.
No entanto, as imagens mostraram que, durante os testes de rotina no dia 12, que ocorreram na porta dos quartos do hotel, houve um espaço de tempo de 50 segundos entre o fechamento da porta do quarto do paciente contaminado e a abertura da porta do quarto onde estavam a criança e o adulto.
Por isso, os pesquisadores levantaram a hipótese de que partículas de aerossol em suspensão seriam o modo provável de transmissão neste caso, e que o espaço fechado e não ventilado no corredor do hotel provavelmente facilitou esse evento.
3) Transmissão por assintomáticos
A transmissão por pessoas sem sintomas ou antes de apresentar os sintomas da Covid-19 é, provavelmente, responsável por pelo menos um terço, e talvez até 59%, de toda a transmissão global, afirmam os pesquisadores.
“É uma forma chave pela qual o Sars-CoV-2 se espalhou pelo mundo, apoiando um modo de transmissão predominantemente pelo ar. Medições diretas mostram que a fala produz milhares de partículas de aerossol e poucas gotas grandes [maiores do que os aerossóis], o que apoia a rota pelo ar”, ponderam.
4) Transmissão é maior em ambientes internos
A transmissão do Sars-CoV-2 é maior em ambientes internos do que em ambientes externos – e é substancialmente reduzida pela ventilação interna. Ambas as observações apoiam uma rota de transmissão predominantemente aérea, dizem os cientistas.
5) Transmissão em hospitais
Infecções em hospitais foram documentadas – locais onde houve precauções estritas de contato e de gotículas e uso de equipamento de proteção individual (EPI) projetado para proteger contra a exposição a gotículas, mas não a aerossóis.
6) Vírus viável já foi encontrado no ar
O Sars-CoV-2 viável já foi detectado no ar, segundo os cientistas. Eles citam dois estudos:
- no primeiro, feito com experimentos de laboratório, o coronavírus permaneceu infeccioso no ar por até 3 horas;
- no segundo, o vírus viável (infeccioso) foi identificado em amostras de ar de quartos ocupados por pacientes com Covid-19 na ausência de procedimentos de saúde geradores de aerossol e em amostras de ar do carro de uma pessoa infectada.
Embora outros estudos não tenham conseguido capturar o SARS-CoV-2 viável em amostras de ar, isso era esperado, segundo os pesquisadores. Isso porque a amostragem de vírus transportados pelo ar é tecnicamente desafiadora por várias razões – incluindo a eficácia limitada de alguns métodos de amostragem para coleta de partículas finas, desidratação viral durante a coleta, dano viral devido a forças de impacto (levando à perda de viabilidade) e outros fatores.
Eles também pontuam que o sarampo e a tuberculose – duas doenças que são, transmitidas, principalmente, pelo ar – nunca foram cultivadas no ar ambiente.
7) Vírus em filtros de ar e dutos
O coronavírus já foi identificado em filtros de ar e dutos de construção em hospitais com pacientes Covid-19. Esses lugares, argumentam os cientistas, só poderiam ser alcançados por aerossóis (e não gotículas maiores).
8) Estudos com animais em gaiolas
Estudos envolvendo animais infectados e saudáveis em gaiolas separadas por um duto de ar mostraram a transmissão do coronavírus – que, de novo, segundo os cientistas, só poderia ser explicada adequadamente apenas pelos aerossóis.
9) Não há evidências consistentes do contrário
Os pesquisadores argumentam que nenhum estudo do qual tenham conhecimento forneceu evidências consistentes para refutar a hipótese de transmissão do coronavírus pelo ar.
“Algumas pessoas evitam a infecção pelo Sars-CoV-2 quando compartilham o ar com pessoas infectadas, mas esta situação pode ser explicada por uma combinação de fatores, incluindo variação na quantidade de disseminação viral entre indivíduos infecciosos e diferentes condições de ambientes (especialmente ventilação)”, argumentam.
Para eles, uma variação individual e ambiental significa que uma minoria dos casos primários – como pessoas que liberam grandes quantidades de vírus em ambientes fechados, lotados e com ventilação insuficiente – são responsáveis ??pela maioria das infecções secundárias. Essa constatação é apoiada por dados de rastreamento de contato de vários países.
Além disso, afirmam, a ampla variação na carga viral respiratória do vírus contesta os argumentos de que ele não pode ser transportado pelo ar.
10) Provas de outras formas dominantes de contágio são limitadas
Os pesquisadores afirmam que há evidências limitadas para apoiar outras rotas dominantes de transmissão, como a das gotículas ou por superfícies contaminadas.
Um dos pontos defendidos por pesquisadores que afirmam que as gotículas são a principal forma de transmissão é o fato de que a maior parte do contágio é feito entre pessoas próximas, com menos pessoas se contaminando à medida que a distância aumenta. Isso porque as gotículas, por serem maiores e mais pesadas, seriam capazes de viajar por distâncias menores.
“A suposição errada de que a transmissão por proximidade implica grandes gotículas respiratórias ou superfícies contaminadas foi historicamente usada, por décadas, para negar a transmissão aérea de tuberculose e sarampo”, afirmam.
Os pesquisadores afirmam, por exemplo, que o tamanho considerado como definidor de uma gotícula ou de um aerossol – de 5?m (micrômetros) é arbitrário.
“Isso se tornou um dogma médico, ignorando medições diretas de aerossóis e gotículas que revelam falhas – como o número esmagador de aerossóis produzidos em atividades respiratórias e o limite arbitrário no tamanho de partícula de 5 ?m entre aerossóis e gotículas, em vez do limite correto de 100 ?m”, afirmam.
Além disso, eles dizem que, o argumento de que, sendo maiores, as gotículas devem conter mais vírus não é necessariamente verdade.
“Em doenças nas quais as concentrações de patógenos foram quantificadas pelo tamanho de partícula, aerossóis menores mostraram concentrações de patógenos mais altas do que gotículas quando ambos foram medidos”, afirmam.
Por que a transmissão pelo ar é importante?
Se um vírus é transmitido principalmente pelo ar, uma pessoa pode ser infectada ao inalar aerossóis produzidos quando alguém infectado exala, fala, grita, canta, espirra ou tosse.
Isso significa que é preciso adotar medidas que evitam a inalação de aerossóis:
- ventilação
- filtragem de ar
- redução de aglomeração e tempo gasto em ambientes fechados
- uso de máscaras em ambientes internos
- proteção de alto grau para equipes de saúde e trabalhadores da linha de frente
- atenção à qualidade e ajuste da máscara (veja vídeo abaixo)
Em contraste, se o vírus fosse transmitido apenas por gotículas, medidas como redução do contato direto, limpeza de superfícies, barreiras físicas, distanciamento físico, uso de máscaras dentro da distância das gotículas, higiene respiratória e uso de proteção de alto grau apenas para procedimentos de saúde geradores de aerossol seriam suficientes.
Essas políticas, também, não precisariam distinguir entre ambientes internos e externos, uma vez que um mecanismo acionado pela gravidade para transmissão seria semelhante para ambos os ambientes, dizem os pesquisadores.
Fonte: G1