Votuporanga: Família de trigêmeos que perderam mãe, avó e tia para Covid-19 recebe ajuda
Responsável por acolher os trigêmeos que perderam o pai em um acidente de trânsito e viram a mãe, a avó e a tia morrerem por complicações da Covid-19, o vendedor Douglas Junior Faria Amaral, de 26 anos, começou a receber ajuda e doações de pessoas sensibilizadas com a história dos sobrinhos.
“Recebemos muitas doações de alimentos. Ganhamos tijolos, azulejos, pia e materiais para usarmos na construção do quarto e do banheiro dos meninos. Pedreiros e eletricistas se ofereceram para trabalhar de graça, um arquiteto também vai fazer o projeto sem cobrar nada. Além disso, um site está fazendo uma vaquinha online”, diz o vendedor, que também é pai de uma menina de 1 ano e 7 meses.
Morador de Votuporanga, cidade do interior de São Paulo, Douglas relata gratidão, surpresa e felicidade com toda a ajuda que a família está recebendo de amigos e desconhecidos.
“Recebi até uma ligação de um morador dos Estados Unidos. Ele viu a reportagem no G1, entrou em contato conosco e nos enviou uma ajuda. Olha onde a história chegou, é uma coisa surreal. Ficamos muito felizes em sentir todo esse amor. O ser humano é muito bom. Precisamos acreditar nisso”, conta Douglas, que sonha em conseguir uma bolsa de estudos para os trigêmeos e afilhados.
“Estudo é tudo. Me preocupo muito com isso, porque estudei em escola pública. Sei como funciona. Meus sobrinhos também precisam de um apoio psicológico. Eles estão abalados com tudo que aconteceu. Um deles até mudou muito de comportamento. Ele era muito tranquilo antigamente”, afirma.
Depois de acolherem os trigêmeos Pedro, Paulo e Felipe, que ficaram órfãos aos 5 anos, Douglas e a esposa, Luana Amaral, tentam conseguir a guarda dos meninos na Justiça.
“Conversamos com um advogado. O pedido de guarda provisória deve estar para sair, mas a permanente demora um pouco”, conta.
Oito dias de diferença
Ainda tentando lidar com a dor de perder três integrantes da família para a Covid-19 em oito dias de diferença, Douglas relata que a irmã, Karina Angélica Faria, de 33 anos, morreu no dia 13 de março.
Três dias depois, a outra irmã e mãe dos trigêmeos, Ana Paula Faria, de 37 anos, também não resistiu. A última da família a vir a óbito foi a mãe de Douglas, Valentina Peres Machado, de 66 anos, no dia 21 de março.
“Fiquei sem chão. Não conseguia acreditar que estava passando por aquilo. Foi terrível enterrar minhas duas irmãs e minha mãe uma atrás da outra, sem poder vê-las pela última vez. Pegaram os corpos, colocaram em um caixão e enterraram”, diz o rapaz.
Ana Paula, Karina e Valentina moravam e foram sepultadas em Parisi, cidade onde o pai dos trigêmeos, Renato Santos, sofreu o acidente cinco meses atrás.
Hospitais lotados
A primeira da família que precisou ser internada foi Valentina. Até então, Ana Paula e Karina permaneciam na casa onde moravam, sem apresentar sintomas graves da doença.
Porém, Douglas diz que as duas irmãs pioraram e também precisaram procurar ajuda no posto de saúde de Parisi, cidade que conta com apoio de hospitais da região para atender pacientes com quadros avançados da doença.
“Meu outro sobrinho, de 18 anos, também testou positivo. Os três foram juntos para o posto de saúde. A Ana Paula era quem estava pior dos três. Meu sobrinho recebeu alta, mas minhas irmãs permaneceram internadas porque não tinha vaga disponível em outros hospitais. Estava tudo lotado”, diz.
Enquanto aguardava por um leito, Karina piorou repentinamente, sendo necessário que os profissionais de saúde acionassem uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) móvel para atendê-la às pressas.
“Quatro horas da manhã meu pai, que trabalha na área da saúde, ligou para dar a notícia da morte da Karina. Meu tormento começou nesse momento. Minha vida virou de ponta-cabeça e começou a ficar escura”, afirma.
No mesmo dia em que ele enterrou Karina, Ana Paula foi transferida para a Santa Casa de Votuporanga, município a cerca de 16 quilômetros de distância de Parisi.
“Passei a noite inteira no hospital, querendo saber notícia da Ana Paula, mas ninguém me dava. No domingo, um amigo, que trabalha dentro do hospital, ligou e perguntou se minha irmã tomava algum remédio controlado, porque ela estava sedada, mas muito agitada. Fui buscar o remédio e o entreguei para a assistente social”, relembra Douglas.
O vendedor relata que a irmã foi intubada, mas não reagia aos medicamentos e, em seguida, sofreu uma parada cardíaca. Assim como aconteceu com Karina, ele recebeu a notícia do óbito de Ana Paula de madrugada.
“A Ana Paula não soube da morte da Karina. Ela estava consciente quando a Karina morreu, mas a gente preferiu não contar, por conta do estado dela. Enterramos a Ana Paula na mesma situação que a Karina. Horrível demais”, conta.
Diferentemente das filhas, Valentina estava internada no Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP), unidade referência para mais de 100 cidades da região noroeste paulista.
A idosa também precisou ser intubada e chegou a apresentar uma leve melhora. O filho relembra que os médicos começaram a diminuir os sedativos, mas a mãe não reagia.
“Os médicos também disseram que ela estava com febre e poderia ser uma infecção, mas que estavam tentando descobrir o motivo. Depois fiquei sabendo que a infecção tinha tomado todo o corpo dela e que a qualquer momento algum órgão poderia parar. E foi o que aconteceu. Recebi a notícia da morte dela também de madrugada”, lamenta.
Nova família
Com a morte precoce de Ana Paula, o vendedor diz que decidiu, junto com a esposa, acolher e cuidar dos trigêmeos.
“Minha vida sempre foi muito organizada e planejada. Eu não tinha planos de ter mais filhos. É uma responsabilidade gigante, mas minha esposa me olhou, disse que eram meus sobrinhos e decidimos que iríamos tratá-los como filhos. Hoje vejo que, realmente, os três tinham que ser nossos”, diz Douglas, que tem uma filha bebê de 1 ano e sete meses.
Apesar de estarem somente no quinto ano de vida, Pedro, Paulo e Felipe sabem que perderam o pai e a mãe. Douglas diz que os três foram seu alicerce para não entrar em depressão com a morte da mãe e das irmãs.
“Eu vi motivo neles para não deitar e ficar chorando. Eles me sustentaram. Nossa vida mudou, mas vamos adaptá-la. Eu e minha esposa éramos pai de uma criança, hoje somos de quatro, e assim será daqui para frente”, diz.
Surpresa no parto
Em 2016, Ana Paula entrou na sala de cirurgia para dar à luz gêmeos. Contudo, soube pela equipe médica, durante o parto, que os gêmeos, na verdade, eram trigêmeos.
“Eu sabia que eram gêmeos, e na hora do parto descobri que tinha mais um. Foi um presente de Deus. Primeiro veio o susto, mas depois a emoção”, afirmou a mãe na época.
O parto foi feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na Santa Casa de Votuporanga, em 5 de janeiro.
“Em nenhum exame ou ultrassom que tinha feito durante a gravidez tinha apontado os três, apenas gêmeos. Agora é cuidar dos três. Carinho e amor não vão faltar”, disse Ana Paula na época.
Segundo o médico radiologista Alexandre Henrique de Parma, casos como esse podem acontecer, independentemente do profissional ou equipamento de ultrassom usado no exame.
“De maneira geral, casos como esse não são comuns, mas podem acontecer, devido às limitações técnicas do exame em pacientes obesas, onde até mesmo a imagem do feto pode ser confundida. Isso também pode ser ocasionado quando a ultrassonografia não é realizada nos primeiros meses de gestação”, afirmou também na época.
Por Renato Pavarino, G1 Rio Preto e Araçatuba