Uso de búfalos para espantar onça pode ter consequências, diz Embrapa
No Pantanal sul-mato-grossense e em outras regiões do país e do mundo, fazendeiros criam búfalos para espantar onças que atacam o rebanho de gado. Eles fazem uma barreira e impedem que as predadoras cheguem até os bois para matá-los, mas essa estratégia traz graves problemas. Os animais que fogem podem matar pessoas, como ocorreu no dia 13 de setembro deste ano, quando um peão de 59 anos e seu cavalo foram atacados por um búfalo, ao passarem por uma área com mato denso e alto.
O bufálo matou o cavalo na hora e perfurou o abdômen de Anorvo Gomes da Silva, que morreu uma semana depois. O caso ocorreu em uma fazenda no Pantanal da Nhecolândia, na região de Corumbá, a 419 quilômetros de Campo Grande.
Pecuarista no Pantanal de Mato Grosso do Sul há 35 anos, Ivanildo Miranda também já presenciou a agressividade do animal ao chegar de avião em sua fazenda, certo dia. Em entrevista à Folha de São Paulo, ele contou que um dos búfalos mansos da propriedade arrebentou a cerca da pista de pouso e começou a dar chifradas na aeronave estacionada. “O avião parado e o búfalo lá, dando cabeçada e chifrada. Esse bicho não é fácil”, disse o fazendeiro.
Dano irreversível – A “barreira de búfalos” já tem consequências consideradas catastróficas, na avaliação do pesquisador da Embrapa Pantanal, Walfrido Moraes Tomas. A estratégia é usada também no Vale do Guaporé, em Rondônia; na Baixada Maranhense, no Maranhão e nas planícies costeiras do Amapá; além de fazendas de outros países, como Austrália. Além de matar outros animais, os búfalos asselvajados podem causar danos ao solo, rios e disseminar doenças, como a brucelose e a tuberculose.
Ainda não se sabe quantos desses animais existem no Pantanal, mas a Embrapa fará uma estimativa em 2016. “No Vale Guaporé, cerca de quatro mil búfalos asselvajados originaram-se de uma tentativa realizada por meio de um programa do governo estadual, que começou com cerca de 40 animais na década de 1950, na fazenda Pau D’Óleo. Com o tempo, esses animais se multiplicaram, alteraram o relevo, a hidrologia e causaram impactos consideráveis na vegetação dentro da REBio (Reserva Biológica) do Guaporé, de cerca de 600 mil hectares”, exemplifica o pesquisador.
Os asselvajados doentes representam risco não somente para rebanhos domésticos, mas a outros animais da fauna silvestre. “Entre as espécies expostas a este problema estão algumas classificadas oficialmente como ameaçadas no Brasil, como o cervo-do-pantanal. Não há estudos sobre os impactos da presença destes animais em um sistema frágil como o Pantanal, nem mesmo uma análise da condição sanitária destes rebanhos”, explica Walfrido.
Segundo o pesquisador, a planície pantaneira é uma área extremamente plana, portanto qualquer mudança em seu micro relevo pode alterar a hidrologia e a vegetação de forma irreversível. Com a modificação da vegetação e hidrologia em grandes áreas, os búfalos podem afetar a cadeia de relações entre espécies, comunidades e habitats, alterando todo o ecossistema.
“Cautela é recomendada por todos aqueles que defendem o uso sustentável da planície pantaneira, o que, necessariamente, inclui a conservação de sua biodiversidade, dos processos ecológicos e da capacidade de recuperação de seus ecossistemas. No Pantanal, não há lugar para a inconsequência”, alerta o especialista, ao lembrar que o bioma é patrimônio nacional e contém vários sítios da Convenção de Ramsar, que e trata do uso e conservação de áreas úmidas no mundo inteiro.
O pesquisador destaca ainda que não há comprovação de que os búfalos diminuam, de fato, os ataques de onças, pois elas podem se aproximar dos rebanhos driblando seus predadores. “Temos que considerar o fato de que a predação de gado por onças no Pantanal atinge menos de 3 % dos rebanhos ao longo de um ano, com tendência a ser de 1% a 2%. Analisando a situação do ponto de vista econômico, o impacto não é maior que aquele provocado por outras fontes corriqueiras de perdas nos rebanhos, como doenças, acidentes, maus tratos, cheias e baixa qualidade zootécnica”, argumenta.