Fôlego curto, mudança no paladar, depressão e até esquecimento: pacientes curados falam das queixas pós-Covid
Fôlego curto, tosse, falta de ar, mudança no paladar e até esquecimento. Na parte comportamental e neurológica, estão a perda de concentração, depressão e até casos de síndrome do pânico. Após a cura da Covid, estas são as queixas de alguns pacientes, algo que os especialistas buscam respostas e não chamam de sequelas, mas sim de síndrome pós-Covid.
“No início, aparecem sintomas muito chatos e que desaparecem ao longo do tempo ou até mesmo com ajuda profissional. O Covid provoca uma grande inflamação onde os pulmões são os receptores e a doença tem uma relação muito direta com ele, provocando em alguns casos dor de cabeça, diarreia, onde inflama se manifesta e, quando maior for a inflamação pulmonar, maior é a doença”, afirmou ao G1 o pneumologista Ronaldo Perches Queiroz.
É o caso do contabilista Pedro Joamir de Matos Rodrigues, de 59 anos, infectado pela Covid em 2020. “Eu sempre me cuidei, fiz esportes, então, nunca imaginei que fosse pegar Covid. Mas fiquei internado por 3 dias e depois continuei o tratamento durante 60 dias, tomando remédio, mantendo alimentação correta e sem sair de casa. Fiquei muito tempo no sofá, sem ânimo”, relembrou.
Na época, Pedro conta que até tentou fazer outras atividades, porém logo sentia tontura e cansaço. “Foi necessária a fisioterapia pulmonar e aí fui progredindo aos poucos. De início, o comprometimento do pulmão estava em 55, depois caiu pra 30, depois 15 e, na última consulta, tinha zerado. Devo isso aos cuidados da minha esposa, que dava o remédio na hora certa”, falou.
No entanto, ainda conforme Pedro, existem “resquícios da doença”. “Sinto dores no peito às vezes. Não estou sentindo nada e, de repente, sinto e quando amanhece está no outro lado. O médico me disse que, de 4 a 6 meses, é pra checar o pulmão e vou estar fazendo isso sempre agora”, comentou.
Tempestade inflamatória
De acordo com o pneumologista, Pedro fez o tratamento inicial, depois passou pela fase inflamatória e, no meio disso, teve o que os médicos chamam de “tempestade inflamatória ou tempestade de citocinas”.
“É quando o vírus dá um arrancão, toma todo o pulmão, então ele teve que ser internado. Após saída do hospital, foi pra casa e teve todos os sintomas do pós-Covid. Fez um tratamento multidisciplinar e a superação está sendo exemplar”, ressaltou.
O jornalista Paulo Yafusso, de 56 anos, confundiu uma simples gripe com a Covid, em maio de 2020. “Os médicos me explicaram que tudo depende muito da carga viral que a pessoa recebe. Cheguei a ir ao serviço um dia, mas, tive mais de um sintoma e fui embora pra casa. Fiz o teste, saiu o resultado três dias depois e já comecei o tratamento”, falou.
Quando terminou a medicação, Paulo conta que recebeu uma ligação da Secretaria Municipal de Saúde [Sesau]. “Falei com o médico e ele pediu uma avaliação pós-tratamento. No hospital, fiz a tomografia e depois vi o médico conversando sobre refazer um exame, só que não achei que fosse o meu caso”, relembrou.
Em seguida, o profissional pediu a ele para refazer. “Ele comentou que achou que estivesse errado, mas, o nível de saturação no sangue estava 83 e ele não estava entendendo nem como eu estava bem, sem tosse, sem febre, conversando normal. Foi aí que pediram a minha internação e eu mesmo assinei a permissão para o CTI [Centro de Terapia Intensiva], já com os pulmões bem comprometidos”, argumentou.
Com a alta médica, Paulo conta que a ligação do médico, pedindo a ele para avaliar o pós-Covid, fez “toda a diferença”. “Foi essencial porque nem precisei de tomografia e depois de três semanas voltei a trabalhar. Mas os reflexos da Covid continuaram e tenho dores nas articulações e cansaço, algo que só sentia quando fazia algo bem puxado”, disse.
Ainda falando dos casos mais graves, quando é necessária a intubação e ventilação mecânica, por exemplo, o médico fala que o paciente fica com o pulmão extremamente comprometido após cura da doença, sendo necessário o acompanhamento para que ele não tenha uma fibrose pulmonar, por exemplo.
“Houve recentemente um fórum na Suíça, em que especialistas demonstram preocupação com os sintomas que ficaram após a doença. Isso tem incomodado, principalmente porque a discussão maior fica em torno do tratamento e vacinas. Mas, a pessoa que teve alta e não sente mais o cheiro, aquela que não consegue subir mais uma escada, ela quer realmente saber o que está acontecendo”, comentou Queiroz.
Cheiros ficaram estranhos, fala dona de casa
A dona de casa Fernanda Soares, de 30 anos, também pegou Covid no ano anterior. Quando passou o período de isolamento e ela retomou a vida, voltando a sair para atividades essenciais, fala que sentiu alterações no olfato.
“Eu não sentia cheiro de perfume. A comida também, no início não estava sentindo o cheiro ao cozinhar e depois voltou, só que mais forte, aguçado mesmo. Agora, odores, como fezes, também não sinto mais, é algo estranho. Parece que ficou tudo muito parecido”, lamentou.
Fernanda, até o momento, não procurou um profissional da saúde para entender as alterações. No entanto, segundo o Ronaldo, que atende pacientes na clínica dele e também em hospitais, cerca de mil pacientes pós-Covid foram atendidos por ele e o colega neste período.
“Nós temos contabilizados este grande número de pacientes pós-Covid. Para chegar na minha sala, tem uma escadinha e muitos deles já chegam falando que estão cansados só de subir ali. E quando vou examinar, a gente vê que a pessoa tem um comprometimento pulmonar. Mas temos medicação para evitar uma fibrose pulmonar. Temos anti-fibróticos e fisioterapia multidisciplinar, que vão garantir sucesso no tratamento”, comentou.
Sinto uma tristeza profunda, diz esteticista
Uma esteticista, de 24 anos, que não quer ser identificada, fala que ela e o namorado foram infectados pela doença. No entanto, passado um tempo, ela passou a sentir “uma tristeza profunda”.
“Ela fala muito dos cheiros, mas, recentemente fala que já voltou ao normal. Eu tive todos os sintomas e me curei. Na minha cabeça, estava tudo certo, só que voltei a trabalhar e passei a sentir medos, é algo bem ruim. Fico triste, acho que vou morrer, não sei explicar. Meu próximo passo é procurar ajuda de algum psicólogo agora”, disse.
Ciclo da Covid
Quando a pessoa tem contato com o vírus, 14 dias são suficientes para ter o desfecho dele no organismo. Ainda conforme o especialista, são 3 fases. No caso dos primeiros cinco dias, ocorre a fase de duplicação viral, com sintomas mais leves.
Já no caso do sexto ao décimo ou décimo segundo dia, é a vez da “fase inflamatória”. “Aí é um divisor de águas, já que na maioria dos casos a pulmão cura em casa, não precisa de oxigênio e é o caso da maioria graças a Deus. Só que temos casos da fase 2 A, com queda de saturação do oxigênio, máscara e a VNI [Ventilação Não Invasiva], algo que dura de 4 a 5 dias”, afirmou.
Na fase 3, ainda segundo Ronaldo, é quando “nem máscara e nem oxigênio resolveu”, sendo esta considerada uma fase muito grave da doença. “O percentual que chega a esses casos varia de 1,5% a 5% e aí é feita a intubação orotraqueal, então, indiscutivelmente, o que mata é o pulmão. É o órgão mais afetado pela doença”, lamentou.
Desde o início, com o avança da medicina, os profissionais sabem os protocolos de tratamento. No entanto, o que ocorre depois no organismo é que ainda é um mistério. “O vírus é vencido e aí fica o rastro, essa falta de ar que muitos se queixam, tosse, fôlego curto, perda do paladar, então a população precisa ser orientada. Temos ainda os casos neurológicos e por isso estamos trabalhando em conjunto com psiquiatras e psicólogos”, finalizou.
Por Graziela Rezende, G1 MS