O problema dos crimes ambientais na região conhecida como Caronal, no rio Taquari, é antigo.
O PANTANAL é a maior planície de inundação de água doce da terra e, de tempos em tempos, isso fica mais superlativo ainda, sendo considerado também um dos maiores santuários ecológicos do mundo em número de espécies de peixes, e também um dos maiores do planeta em quantidade de aves, répteis, mamíferos, anfíbios, flora exuberante etc.
O pulsar da vida, o ir e vir das águas, todos sabem, há tempos dita a cadência neste importante bioma, sendo tanto as cheias gigantescas quanto as secas prolongadas uma constante natural nesta região.
O rio Taquari, importante rio pantaneiro, de acordo com relatos desde os exploradores, aventureiros e expedicionários antigos dos Séculos XVIII, XIX, XX até os doutores, pesquisadores e estudiosos dos dias atuais, sempre teve suas características naturais conforme suas mudanças de curso constantes, seus paleocanais, suas razuras, corixos e vazantes, entre tantas outras.
Paiaguás, Kadiwéos, Bororos e Caiapós, entre várias outras etnias, sempre conviveram pacificamente e em perfeita simbiose em meio a estas características, assim como o homem pantaneiro, em sua maioria, também o fez, mas a seu modo, é claro.
O rio Taquari inicia seu leque aluvial de deposição, que é nada mais do que uma desembocadura em forma de delta, em seu último trecho, praticamente nos 200 quilômetros finais (o rio tem cerca de 850 quilômetros totais de extensão), justamente na região conhecida como Caronal, uma alusão à Fazenda Caronal, situada na localidade.
Tal região do rio Taquari, chão de mega latifúndios de pecuária, tem andado na contramão da natureza do lugar. Meia dúzia de fazendeiros ávidos pelo aumento da produtividade em suas fazendas, têm tentado, a todo custo, modificar o terreno e a paisagem na localidade, desviando o curso do rio, e de seus paleonacais (canais antigos), com o intuito de ganharem mais áreas de pastagens, tudo com a anuência e/ou a conivência de órgãos ambientais tanto de licenciamento quanto de fiscalização no Estado de Mato Grosso do Sul.
Mais terra seca significa mais pasto. Mais pasto significa mais boi. E mais boi significa mais dinheiro. Simples assim!
Com isso, milhares de toneladas de peixes têm sucumbido em meio ao aterramento dos cursos d’água da região, que é feito por dragas clandestinas e empreiteiros informais, dentre eles Japão, Hulk, Régis Mourão, Amaral, Ramão Traíra etc, quase todos moradores de Coxim e/ou Corumbá, empobrecendo a economia de cidades com forte apelo turístico pesqueiro, como Coxim, marginalizando comunidades ribeirinhas inteiras e afetando negativamente a biodiversidade em todo ecossistema pantaneiro com a diminuição dos peixes e, num efeito dominó, escasseando também as aves, os répteis, os mamíferos e assim por diante.
Os fazendeiros da localidade, a tal meia dúzia, por sua vez, na tentativa coletiva de se livrarem dos flagrantes ambientais, em parceria com o Governo do Estado, criaram a Indústria do Assoreamento, uma narrativa constante com o discurso de que o rio Taquari é um desastre ambiental, um rio morto, e que o assoreamento é a causa de todos os problemas, e que, por isso, são necessárias pequenas intervenções no sentido de recuperá-lo.
Assim estes criminosos obtêm licenciamento ambiental para “recuperação de área degradada” que, por sua vez, é utilizado para o desvio do curso natural do rio, tirando suas águas das fazendas para serem substituídas por bois e capins.
Em suma, um crime ambiental de proporções raramente comparáveis mundo a fora, porém legitimado com o aval do governo.
Em Coxim uma entidade denominada ONG SOCIOAMBIENTALISTA BOCAS ABERTAS DO CARONAL luta, desde 2016, antes mesmo de sua formalização, para combater esses crimes. Seu dirigente principal, Márcio Vaz, já levou até um tiro de um oficial da Polícia Militar Ambiental de MS, tudo por denunciar a corrupção do referido agente que, segundo ele, agia a mando dos fazendeiros, dando-lhes até cobertura quando da execução de seus crimes, o que quase custou-lhe a vida. Márcio sofre até hoje das sequelas deixadas pelo tiro sofrido.
No entanto, no dia 16/01/2021, mais uma denúncia da ONG foi parar nas redes sociais e também nas mesas de autoridades como Ministério Público Estadual, IMASUL e IBAMA, conforme fotos e vídeos anexos, e causando grande revolta nas pessoas. Nos vídeos e fotos veiculados Márcio aparece em meio ao flagrante de mais um aterramento de um paleocanal do rio Taquari, tendo acarretado, segundo ele, a mortandade de cerca de 100 toneladas de peixes, com dragas e embarcações irregulares ao redor, sacos tipo “bags” perfazendo verdadeiras barreiras no leito do rio, uma acintosa intervenção criminosa em área de preservação permanente, e muito mais.
Resta saber agora o que vai acontecer, pois, segundo informantes, nunca qualquer fazendeiro da região foi punido ou pagou de qualquer forma pelos crimes ambientais praticados há mais de quatro décadas na referida localidade.