‘Amor ou o Litrão’ foi escrita em 10 minutos, gravada após viagem de 4 dias e levou bregadeira ao nº1

“Amor ou o litrão”, música mais ouvida em streaming no Brasil nos últimos dias e maior aposta de hit do verão até agora, é resultado de uma viagem de ida e volta da Bahia a SP. A jornada foi embalada por um ritmo em ascensão: a bregadeira.

João Paulo Oliveira Nascimento tinha oito anos quando saiu de Tucano (BA), a 226 km de Salvador. “Eu era muito malino (travesso). Minha mãe falava com meu pai: ‘Vem buscar que ele está aprontando demais’. Aí ele me trouxe para São Paulo”, lembra ao G1.

Neste meio tempo, João aprendeu a tocar teclado, incentivado pelo pai. “Eu tinha 13 anos e minha irmã cantava forró numa banda. Um rapaz saiu e meu pai falou que eu tinha três dias para aprender tudo e fazer um show. Ali começou”, conta.

Entre um show e outro, ele trabalhou e largou o emprego numa marcenaria. Há dois anos, resolveu arriscar e se dedicar 100% à música. João adotou o nome artístico Petter Ferraz e virou cantor de forró e produtor de funk na produtora KMais, na Zona Sul de São Paulo.

Aos 25 anos, em 2020, ele embarcou em uma viagem no sentido oposto: de São Paulo ao sertão da Bahia, dessa vez para Antônio Cardoso, a 94 km de Salvador.

Procurando Nico

 

 

O objetivo de Petter na viagem era gravar uma música com um jovem de 14 anos que viralizou no Instagram. O Menor Nico virou fenômeno ao cantar e dançar de um jeito engraçado a música “Litrão”, sucesso na voz de grupos de forró como Unha Pintada e dos sertanejos Matheus e Kauan.

“Peguei o vídeo do Nico na internet e produzi ‘Litrão Remix’.” A brincadeira foi bem nas redes e ele teve uma ideia: gravar outra música, desta vez original, com a voz de Nico. “Liguei para o empresário dele e a gente marcou de viajar pra Bahia.”

“Amor ou o litrão” foi encomendada por Petter a um amigo, Ezequias Rocha Gomes, autor de hits como “Olha a explosão”, de Kevinho.

A entrega foi expressa. “Eu sento, vou juntando as palavras e, no final, vem um refrão. Foi coisa de Deus essa música”, diz o MC EZ sobre a faixa para Petter e Nico. Ele diz que “Amor ou o litrão” não foi inspirada em “Litrão”, mesmo com o tema semelhante e o remix anterior de Petter.

A nova composição ficou pronta em “dez minutinhos”, diz o autor. Mas viagem de Petter para gravar com Nico na Bahia demorou muito mais.

 

“O carro quebrou na estrada. Ficamos dois dias numa cidade de Minas Gerais esperando a peça chegar. Não chegou. Teve que acionar o guincho para ir para Feira de Santana (BA), e só lá a gente conseguiu arrumar.” Foram quatro dias até chegar de SP à casa de Nico, diz Petter.

“Levei duas caixinhas de som e notebook. Chegando lá, entramos na casinha, no quartinho do Nico em Antônio Cardoso. Aí gravei a voz dele e fiz uma versão para a gente poder gravar o clipe. Quando cheguei em SP eu editei a voz dele e finalizei”, conta.

Brega repaginado

 

 

A produção teve um toque especial: a base da bregadeira, com pitadas de funk. A bregadeira é uma variação mais dançante e eletrônica do brega, com toques de pagodão baiano. Na década passada, artistas baianos como o grupo Bonde do Maluco ajudaram a dar forma a esse subgênero.

Outros artistas populares na Bahia como Boyzinho O Rei da Bregadeira, Dodô Pressão O Trator da Bregadeira e o grupo Bonde da Bregadeira surfaram no sucesso local desse ritmo. Um dos cantores que mais crescem nas paradas do Brasil hoje, Rogerinho, também canta bregadeira.

Os ingredientes do ‘litrão’

 

 

Petter enviou ao G1um vídeo que mostra os sons por trás de “Amor ou o litrão”. O produtor revela a receita da bregadeira: o ritmo é 100% sintetizado, sem usar instrumentos orgânicos, em uma versão mais dançante e eletrônica do brega e do pagodão baiano.

Na receita do hit também está o “vapo vapo” do funk, a batida seca da pisadinha, efeitos na voz de Nico e outros toques de Petter.

Hoje, ritmo que era popular, mas ignorado pela indústria, desperta interesse geral. A nova música de Kevinho, “Bruninha”, foi anunciada assim por sua assessoria: “Esta é a primeira vez que Kevinho lança uma música no estilo bregadeira pop”.

G1 já tinha mostrado como Zé Felipe, filho de Leonardo, saiu de sua linha sertaneja, caiu na bregadeira e conseguiu um dos sucessos mais surpreendentes do ano, “Só tem eu”. O produtor da faixa, Rafinha RSQ, explicou como se monta uma batida neste ritmo.

Menor Nico pode ser a MC Loma da bregadeira?

 

 

A voz aguda e divertida de Nico, com frases difíceis de entender, são o som mais marcante de “Amor ou o litrão”. Mas, por trás da brincadeira dele, está a explosão nacional de um ritmo popular do Nordeste, a bregadeira, logo no início do verão.

O caminho lembra o hit surpresa de três verões passados: “Envolvimento”, da MC Loma e as Gêmeas Lacração. O sucesso delas era engraçado e, ao mesmo tempo, um sinal sério para o Brasil do potencial de outro ritmo: o brega-funk pernambucano.

Mas em entrevista ao G1, Nico não mostrou a mesma desenvoltura de Loma e outros astros adolescentes populares diante das câmeras. Solto nos vídeos no Instagram, o rapaz ainda é muito tímido em entrevistas.

Enquanto isso, “Amor ou o litrão” só ganha força: o clipe passou das 50 milhões de visualizações no YouTube. A música ainda ganhou um clipe no canal do KondZilla no Youtube em uma versão remix de brega-funk com participação da cantora Milla, do hit “Tudo ok”, já com mais de 30 milhões de views.

O lançamento do remix no canal de enorme audiência com a cantora já mais conhecida não diminuiu ainda o sucesso da versão original: é ela, em versão bregadeira mesmo, que continua sendo a mais tocada no Brasil no Spotify.

Neymar e Carlinhos Maia e mais famosos postaram vídeos dançando a versão original, de bregadeira.

Nico diz que está construindo uma nova casa para a família com os primeiros lucros da música. Petter ainda não consegue dormir direito. “Eu olho [os números da música] de madrugada, de manhã, durante o dia. E todo dia acontece alguma coisa que surpreende mais ainda”.

Por Marília Neves e Rodrigo Ortega, G1