Morte de filho de brigadista é mais uma tragédia do Pantanal em chamas

Esqueça o cenário idílico onde rio, planície e morro retratam a beleza da Barra do Rio São Lourenço, isolada na Serra do Amolar, até então uma das áreas mais preservadas no Pantanal que se espalha por Corumbá.

De sexta-feira para sábado, o vento mudou a direção das chamas, que avançaram perigosa em direção à comunidade, onde vivem 23 famílias. Horas depois da tensão provocada pelo fogo, o menino Heitor Henrique Rodrigues da Silva, 2 anos, caiu no Rio Paraguai. Ele desapareceu na tarde de sábado (dia 26) e o corpo foi encontrado na tarde de ontem. O pai do menino é brigadista voluntário no combate ao fogo no Pantanal.

“São tantos os acontecimentos que a comunidade fica meio atordoada. Primeiro veio o fogo. Como o sinal de internet é horrível , comecei a pedir socorro para os vizinhos e não conseguia porque não tinha sinal de internet”, conta Leonida Aires de Souza, conhecida como Eliane, moradora e porta-voz da comunidade da Barra do Rio São Lourenço.

Quando conseguiu ajuda, chegaram as equipes para enfrentar o fogo. No combate, também estava o pai do menino. Controlado o perigo das chamas, depois de uma madrugada insone, já sobreveio mais uma tristeza, a criança caiu do barranco e foi levada pelas águas do Rio Paraguai.

“Ficamos sem dormir. Todos prestando apoio em combate ao incêndio, inclusive o pai da criança, que é brigadista comunitário. O neném se afogou e ficamos todos transtornados. Tem gente [brigadista] do Paraná, Bahia. Todos mergulharam, mas foi em vão”, diz Eliane, por meio de uma ligação por aplicativo, em que a voz viaja lenta até o Pantanal.

A reportagem não conseguiu contato com os pais do menino, que desceram hoje pelo rio em viagem de 200 km até Corumbá para os procedimentos burocráticos da morte da criança.

Fato é que nessa temporada de incêndios, agonizam todos os viventes: animais, árvores e ser-humano. Na manhã de sábado, na BR-262, entre Miranda e Corumbá, em meio à coluna de fumaça que se levanta dos incêndios, acidente entre dois caminhões matou motorista de 60 anos. Em Goiás, o brigadista Welington Fernando Peres Silva, 41 anos, morreu em 2 de setembro, 11 dias após sofrer queimaduras em 80% do corpo.

“Moça, nasci aqui, estou aqui e tenho 53 anos. O Pantanal foi mais seco até a enchente de 1974. Mas nunca teve uma queimada tão grande no nosso Pantanal como nesse ano. Dá um enorme vazio de ver as vidas indo embora. O Pantanal é a nossa vida”, afirma Eliane.

Pantaneiro não é só fazendeiro – Diretor-presidente da Ecoa (Ecologia e Ação), André Luiz Siqueira, lembra que a história do Pantanal não remonta aos últimos 300 anos, marco temporal da pecuária.

“São oito mil anos de ocupação. Esse grupo conserva regiões importantes para a biodiversidade. É um modo de vida, com subsistência de forma sustentável. E com uma capacidade que só povos tradicionais conseguem: fazer a leitura, o entendimento, de um ambiente imprevisível como o Pantanal”, afirma André.

A comunidade fica na divisa entre Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, na confluência com o que no papel chama Rio Cuiabá, mas no saber que atravessou gerações é chamado mesmo de São Lourenço pelos vizinhos.

Ao lado do parque nacional, a área é uma das mais preservadas do Pantanal e em 2020 foi surpreendida com a voracidade do fogo.

“O impacto ambiental que as queimadas vêm causando tem proporções absurdas. São grupos isolados, vulneráveis, não tem atendimento de saúde, mesmo num período pandêmico. São povos estraçalhados pelo impacto das queimadas”, afirma o diretor da ONG.

No sábado, o fogo ficou a 30 metros das casas (extensão compatível a mangueira de jardim). O incêndio foi combatido por equipes do Prevfogo/Ibama, Instituto Homem Pantaneiro, voluntários.

A Ecoa reclama da lentidão das repostas do poder público para atendimento em saúde nas zonas rurais e no combate aos incêndios

 

 

Por Aline dos Santos –  CAMPO GRANDE NEWS