Goiás ultrapassa 100 mil casos de coronavírus com o desafio de equilibrar a retomada econômica e o isolamento social

Cinco meses após o primeiro caso de coronavírus ser confirmado em território goiano, o estado ultrapassa a simbólica marca de 100 mil pessoas contaminadas pela Covid-19. O painel da Secretaria Estadual de Saúde marcou, às 15h desta sexta-feira (14), que exatamente 100.382 moradores já foram infectados. O que esse número representa para Goiás foi respondido por especialistas no combate à pandemia e em estudar e interpretar o que os dados do presente podem revelar sobre o futuro.

Dos milhares de contaminados, 2.286 não sobreviveram à luta contra o coronavírus. Assim, é de 2,28% a taxa de letalidade em Goiás, que representa a quantidade de pessoas que morrem em relação à quantidade total de infectados.

 

 

Desde 12 de março, quando os três primeiros casos foram divulgados, foram meses diante de uma nova doença com poucas informações sobre contaminação e tratamento. Ao longo desse período, grande parte da população foi deixando de ter medo das consequências da infecção do vírus e retomou uma vida quase normal, com poucas preocupações em relação ao contágio, como avalia o professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) Thiago Rangel.

Essa retomada de pessoas às ruas explica uma parte de como o vírus infectou e matou tantas pessoas em tão pouco tempo, segundo o professor. A outra parte, para ele, é a alta capacidade de contaminação do próprio coronavírus. A combinação das aglomerações com o fato de ser uma doença altamente contagiosa responde como a população chegou a ter a média de 669 pessoas infectadas por dia nesses cinco meses.

O comércio em Goiás ficou fechado por quase três meses. Depois, reabriu de forma intermitente, com 14 dias abertos e 14 dias fechados. No dia 27 de julho, o governo estadual decretou o funcionamento do comércio por tempo indeterminado, desde que cumpram com as medidas sanitárias definidas pelas autoridades de saúde.

“No meio da pandemia, ver um bar lotado e com gente na fila de espera é a combinação da perda de medo que as pessoas tiveram em relação à doença e a pressão econômica pela retomada das atividades empresariais. Esse é um exemplo do desafio para equalizar as duas coisas”, afirma o professor.

 

 

 

Bares reabrem após quase quatro meses fechados, em Goiânia — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
Bares reabrem após quase quatro meses fechados, em Goiânia — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Para a superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Flúvia Amorim, a quantidade de pessoas contaminadas aumentaria rapidamente de qualquer jeito.

“É uma doença nova. O número, com certeza, é muito ruim. Isso impacta também a rede de saúde, como um todo, a economia, de forma geral, e mostra a capacidade que esse vírus tem de se proliferar”, explica Amorim.

 

Para Rangel, os 100 mil casos confirmados não quer dizer que são 100 mil pessoas contaminadas. Ele acredita que há muitos moradores infectados que não foram testados.

“O número de infectados é muito maior. Quanto mais realizarem testes em massa, mais casos serão registrados. Não falta infectado, o que falta é teste”, avalia o professor.

 

Neste momento, o pesquisador acredita que a população vivencia a primeira onda da pandemia, que normalmente é a mais forte. Daqui a alguns meses, a pandemia tende a diminuir. Eventualmente, até que se tenha uma vacina eficaz, virão surtos de casos confirmados em locais isolados, como empresas ou cidades. Esses surtos ainda perdurarão por anos, segundo Rangel.

Isolamento social

 

 

Para Thiago Rangel, o isolamento social é um instrumento eficaz que evitou, por um tempo, o contágio e poderia ter ajudado a população a não chegar nesta quantidade de casos. O professor explica que as medidas epidemiológicas podem ser divididas entre aquelas que tentam evitar a transmissão e aquelas que tentam mitigar os efeitos da infecção.

A primeira medida, de isolamento social, não vingaria no país, segundo o professor. “No início da pandemia, Goiás teve sucesso no isolamento, mas a gente viu que isso não iria acontecer por pressões políticas e econômicas”, destaca Rangel.

Com a reabertura do comércio autorizada pelo estado, só restou às autoridades sanitárias uma segunda estratégia, que foi deixar a população mais solta, mas ativamente buscar identificar e isolar seletivamente as pessoas que estão transmitindo o vírus, na avaliação do pesquisador.

E o uso dessa estratégia foi confirmado pela superintendente Flúvia Amorim, que acrescenta que a ação do governo é para identificar os contaminados assintomáticos, fazer o isolamento e o monitoramento. “Assim, tiramos os possíveis vetores de transmissão das ruas. Esse trabalho começou com a testagem em massa que fazemos em 78 municípios com mais casos confirmados”, explicou Amorim.

Passageiros enfrentam ônibus lotados durante pandemia de coronavírus, em Goiânia — Foto: Marina Demori/TV Anhanguera
Passageiros enfrentam ônibus lotados durante pandemia de coronavírus, em Goiânia — Foto: Marina Demori/TV Anhanguera

Aglomeração no transporte público

 

 

Com o uso correto da máscara e a adesão ao isolamento social, porém, o estado poderia ter percebido um ritmo menor na transmissão.

Thiago Rangel explica que o modo de transmissão aéreo da doença é o mais forte, ou seja, quando o vírus é transmitido em gotículas de saliva e por tosse. Esse modo influencia diretamente na probabilidade que uma pessoa tem de contrair o vírus e ele acontece, com mais frequência, no transporte público.

“Estudos produzidos em São Paulo e Santa Catarina mostram que as chances de se pegar coronavírus para aqueles usam o transporte público é cinco vezes maior do que para os que usam carro próprio”, pondera Rangel.

Com a falta de shows e suspensão das aulas presenciais nas escolas, o professor não observa outro ambiente com aglomeração de pessoas em pouco espaço e por muito tempo como acontece dentro dos ônibus.

Para a Companhia Metropolitana de Transporte Público (CMTC), não há um estudo sobre a disseminação desta doença na Região Metropolitana de Goiânia. Em nota, o órgão informou que “considerando que hoje grande parcela dos nossos usuários do transporte público coletivo são oriundos de 18 municípios, que os funcionários que contraíram esta doença, em sua maioria, não a contraíram trabalhando, entendemos que o transporte coletivo não pode ser considerado uma fonte propagadora desta pandemia”. (Leia a íntegra ao final).

Família se cura do vírus: ‘Todo cuidado é pouco’

 

 

Quase uma família inteira de Rio Verde se contaminou com o vírus no mês passado. Foram 23 pessoas, ao total, contaminadas. Todas se curaram.

O patriarca da família foi o que mais sofreu. Ficou 24 dias internados com sintomas graves da doença e chegou a ser entubado e usar respirador eletrônico numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

A filha dele, a estudante Maize Oliveira, diz que o susto foi grande. “Quase perdi meu pai para a Covid-19. Ele começou com febre e tosse expressivas. Poucos dias depois, ele perdeu o olfato e paladar e mal conseguia terminar um banho sozinho”, explica a universitária.

Após todos os familiares se curarem da doença, Maize Oliveira diz que todo cuidado é pouco e as medidas de higiene e isolamento social devem ser seguidos à risca.

“Ninguém esperava uma doença com potencial tão grande atingir tantos órgãos do nosso corpo de uma só vez. É assustador como o vírus se propaga tão facilmente. Graças a Deus todos se curaram e estão bem”, ressalta.

Família teve 21 pessoas com Covid-19, em Rio Verde, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
Família teve 21 pessoas com Covid-19, em Rio Verde, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Desafios no combate à Covid-19

 

A superintendente Flúvia Amorim acredita que o maior desafio no combate à pandemia são as perguntas ainda sem respostas que dificultam o planejamento das estratégias.

“Precisamos responder, por exemplo, por quanto tempo uma pessoa curada fica protegida? Por que uma pessoa infectada mantém o exame RT-PCR detectável por até 90 dias? Mesmo melhorando os sintomas”, questiona.

Segundo Amorim, quando essas perguntas forem respondidas, o combate ao coronavírus mudará completamente.

“Só conseguimos ter controle de doenças transmissíveis quando se imuniza em massa a população”, esclarece a superintendente.

Um fator que desafia o combate ao vírus em tempo real, para Thiago Rangel, é a subnotificação de mortes confirmadas. “Levamos 12 dias para notificar 75% dos óbitos registrados em uma determinada data. Isso mostra a dificuldade”, afirma.

Higiene e uso de máscara colabora para reduzir números

 

 

Se não fosse o uso constante de máscara de proteção facial e a higienização das mãos, os números seriam altos, como destaca Flúvia Amorim.

“Poderíamos estar em mais de 200 mil casos confirmados, com certeza. Mesmo tendo estabilização nos números, não há controle da doença e as pessoas precisam ter cuidado. A febre amarela, por exemplo, tem uma taxa de letalidade de 30%, cerca de quinze vezes maior que a da Covid-19. Mas o problema do coronavírus é a incidência. São muitas pessoas adoecendo ao mesmo tempo”, esclarece a superintendente.

Nota da CMTC

 

 

Alguns países, França e Japão, fizeram estudos sobre o contágio da COVID – 19 e detectaram que menos de 2% dos casos tinham o transporte coletivo como fonte de contágio; em estudo recente a Universidade de PE também concluiu que o TPC não é indutor de contágio da COVID – 19. Aqui, na RMG, não temos um estudo sobre a disseminação desta doença, mas, considerando que hoje grande parcela dos nossos usuários do TPC são oriundos de 18 municípios, que temos uma queda de demanda na ordem de 60% e que os funcionários do TPC que contraíram esta doença, em sua maioria, não a contraíram trabalhando, entendemos que o transporte coletivo não pode ser considerado uma fonte propagadora desta pandemia.

A CMTC busca soluções para esta crise, está trabalhando para, em breve, ofertar uma nova operação do TPC, buscando amenizar um pouco as aglomerações nos terminais de integração, solicitando ainda ao usuário que utilize sua máscara e higienize sempre as mãos antes e depois de usar o transporte coletivo.

Por Rafael Oliveira, G1 GO