Para quem tira o sustento na estrada, o isolamento é companheiro constante, com quem o caminhoneiro divide espaço na boleia. Em tempos de quarentena mundial, a garantia de que não faltará alimentos para os novos confinados é deles, profissionais que reclamam do preconceito, da desvalorização do trabalho e sofrem com a distância da família, agora, mesmo quando estão em casa.
Na saída para São Paulo, pelo menos 17 caminhoneiros aguardavam a vez para descarregar a carga na central de compras e distribuição de mercado, na Avenida Frida Puxian. A distância entre eles é pré-estabelecida pelo espaço de cada caminhão, o delimitador físico para que cada um use um trecho da calçada para descansar, fazer almoço ou jogar conversa fora.
Anderson Sérgio, 47anos, trabalha há pouco mais de um ano como caminhoneiro. Ele tinha acabado de almoçar macarrão instantâneo e fazia digestão ouvindo oração pelo celular. Respeitar os horários da fome nem sempre é possível na rotina dele. “Tem hora que vou almoçar 19h, 20 h, é bem difícil”. Ele mora em Birigui (SP) e aguarda a vez para descarregar carga de fralda plástica descartável, viagem que conseguiu depois de uma semana parado. A previsão é que volte para casa só daqui três dias.
Na mesma espera, está Marcos Braga, 46 anos, caminhoneiro há 15 anos. Ele se aproximou da reportagem e começou a relatar as dificuldades que encontra pelos caminhos percorridos. Conta que parou em uma empresa para descarregar, em Corumbá, aproveitou a espera para assar carne. “Ouvi um funcionário falar que se o caminhão e minha casa, eu que assasse lá”.
Marcos reclamou que a categoria é desvalorizada e somente lembrada em tempos de crise. “As pessoas ficam postando que a gente é herói na dificuldade, mas tem lugar que a gente chega não dão nem comida”. Diz que é muito triste ficar longe de casa e suportar a distância social, imposta antes mesmo da chegada do novo coronavírus. “Esse é o nosso isolamento, a gente passa por essas coisas sozinho”.
Há dez dias na estrada, Luiz Carlos Giroto, 50 anos, rodou mais de quatro mil quilômetros atravessando estradas em SC, RJ, SP e, agora, em MS.
“Nosso trabalho não pode parar, mesmo diante das dificuldades, se a gente parar, o mundo para”.
Reclama que esse reconhecimento não é geral. “Só quando acontece alguma coisa, como agora, que deu correria no mercado, a gente é valorizado”. Sobre o isolamento imposto pelas autoridades sanitárias, diz que é fácil de incorporar os cuidados de higiene. “Nós já temos isolamento forçado no dia a dia mesmo”.
Curiosamente, os três disseram que o reconhecimento é das crianças que encontram pelo caminho. “Até emociona a gente, o sorriso se abre quando a gente passa” diz Marcos, lembrando que o filho diz que quer ser caminhoneiro. “Eu falo para ele, não faça isso meu filho, olha o que eu passo”.
De todos eles, o único que esteve recentemente em casa foi Francisco Ericsson, 39 anos, na profissão há 20. Residente em Osasco (SP), fez entregas pelo estado paulista na semana passada, passou o sábado com a família e, no domingo, viajou para Campo Grande. O único dia que passou com a esposa e os filhos, Izabelle, 11 anos e Everton, 8 anos, foi lembrado como “maravilhoso”, apesar de faltar o abraço a que está acostumado quando chega ou vai para a estrada. “A gente manteve distância, se cumprimentando sem tocar, só não foi melhor por isso”.
Também relatou que o isolamento não é um problema. “Já é um costume, vivemos assim”, disse, contando que as amizades de estradas são instantâneas e, na maioria das vezes, se acaba quando volta para a estrada. Mantém a higiene das mãos com detergente, já que o álcool está em falta e evita contato direto.
Nessas últimas semanas, diz que o trabalho aumentou, já que as transportadoras dispensaram os caminhoneiros com idade a partir dos 60 anos. Apesar da carga horária, garante que não haverá desabastecimento. “Não tem necessidade disso, tem produto”, garantiu. A exemplo dos colegas pediu valorização do trabalho da categoria. “As pessoas precisam entender que a gente leva tudo para eles, de comida a calçado. Esse povo que não valoriza gente deve achar que é passarinho que leva”.
Por Silvia Frias e Clayton Neves: CAMPO GRANDE NEWS