Servidores denunciam Detran-MS por ameaçar quem não fizer serviço de credenciadas

O “pedágio” exigido pelo Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de MS) para o credenciamento de empresas de emplacamento no Estado traz mais que altos preços ao serviço essencial. Uma nova denúncia de servidores lotados em agências de trânsito do interior de MS revela que a categoria está sendo obrigada a fazer a fixação das placas em cidades que não dispõem de empresas credenciadas.

O diretor-presidente do Detran, Luis Carlos da Rocha Lima, durante apresentação das placas modelo Mercosul | Foto: Edemir Rodrigues | Divulgação

O serviço é considerado desvio de função pelo menos aos assistentes de vistoria e identificação veicular que, antes da adoção das placas com padrão Mercosul, já eram obrigados a fazer o emplacamento, mesmo que a função não esteja descrita nos cargos. Reforça o desvio o fato que nas cidades de Campo Grande, Três Lagoas e Dourados há servidores específicos para esse fim.

“Sempre fizemos e nunca fomos remunerados. É um desvio ou pelo menos um acúmulo de função para a qual a gente não recebe absolutamente nada a mais. Agora são seis empresas que recebem para fazer o serviço que fazíamos, mas não tem empresa pra atender o interior. Com isso, sobrou de novo pra gente. Estamos sofrendo até ameaça caso a gente não faça a fixação das placas”, afirmou um dos servidores ouvidos pelo Jornal Midiamax. Pelo risco de retaliações, ele não será identificado na reportagem.

O servidor refere-se a um CI (Comunicação Interna) direcionada aos gerentes das agências que nas cidades onde não há empresa estampadora de PIC devidamente credenciada. Segundo o comunicado, a fixação das placas em cidades sem empresas estampadoras deverá ser feita por servidores do Detran-MS lotados nas respectivas Agências de Trânsito. “Importante frisar que a renúncia do servidor no cumprimento da atividade institucional em comento, poderá ensejar instauração de processo administrativo disciplinar” traz a CI assinada por Luis Carlos da Rocha Lima, diretor-presidente do Detran-MS (veja imagem abaixo).

Foto: Ci enviada pela direção do Detran-MS a gerentes de agências no interior ameaça abertura de sindicância contra servidores que se recusarem a fixar placas | Foto: Reprodução

Devido a ameaça sofrida, os servidores temem denunciar publicamente o acúmulo de função não-remunerado, mas protestam concentrar a responsabilidade uma vez que já há empresas responsáveis pelo serviço e que a Resolução do Contran não destaca que a responsabilidade do emplacamento será feito pelos Detrans em casos como o mencionado.

“Se você ler a resolução, vai ficar muito claro que essa responsabilidade é da empresa estampadora, e não dos servidores. É no mínimo um favorecimento o que está sendo feito quando colocam a responsabilidade para a gente”, acrescenta o servidor.

O Detran-MS não respondeu a nenhuma das várias solicitações de posicionamento efetuadas pela reportagem. Porém, na tarde da terça-feira, após publicação da reportagem sobre a investigação do Denatran, o órgão emitiu nota pública de esclarecimento, na qual a garantia foi considerada essencial para “resguardar a administração pública de eventual inadimplência das empresas estampadoras”.

Isso porque, conforme o órgão, as credenciadas precisam utilizar o sistema informatizado do próprio Detran-MS para emissão de nota fiscal. “Com essa mudança de atribuições, se faz necessário que as empresas estampadoras utilizem o sistema informatizado do Detran-MS para efetuar a prestação de serviço aos usuários, remunerando-o também pelo gerenciamento e fiscalização. Sendo assim, a garantia se torna essencial na medida em que visa resguardar a administração pública de eventual inadimplência das empresas estampadoras”, traz a nota pública.

Credenciamento engessado

O Jornal Midiamax trouxe na última terça-feira (11) que o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) vai apurar a conduta do Detran-MS de exigir garantia de R$ 500 mil para as empresas credenciadas, visto que a exigência contraria uma resolução do órgão federal.

A exigência do Detran-MS consta no inciso XXV do artigo 17° da Portaria M de n° 059 e exige às candidatas ao credenciamento que “deem uma garantia de execução do serviço no momento da assinatura do termo de credenciamento no valor de R$ 500 mil”.

Porém, a Resolução 780/2019 do Denatran afirma que os Detrans não podem estabelecer critérios adicionais para credenciamento de empresas, além dos já estabelecidos no “Anexo III da norma do Contran”. Diante das informações, o Denatran destacou que irá apurar os fatos para estudar as providências cabíveis.

Foto: Divulgação | Agência Alagoas

A exigência dos R$ 500 mil está relacionada não só ao alto custo das placas em MS, mas, também, ao acúmulo de função dos vistoriadores do Detran-MS. A matemática é simples de entender, uma vez que o a caução impede que empresas sem esse capital se instalem nas demais regiões.

De fato, a distribuição da atuação das empresas estampadores pelo território de MS é completamente desigual. Apenas três regiões – Dourados, Três Lagoas e Campo Grande dispõem do serviço, que não é mais executado pelo Detran-MS desde o início do mês.

Investigação

A prática adotada pelo Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito) para credenciar as seis empresas que ficaram responsáveis pelas novas placas Mercosul será alvo de investigação pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Isso porque o órgão estadual cometeu irregularidade ao exigir em uma portaria que cada empresa candidata apresentasse “garantia” de R$ 500 mil para ser selecionada, o que limitou a participação de mais credenciadas.

Foto: Divulgação/ Procon-MS.

O caução prevista pela portaria prejudicou a entrada de novas empresas na execução do serviço. Caso não houvesse a exigência da exorbitante quantia, a expectativa é que mais estampadoras fizessem os emplacamentos e, ao menos em tese, os preços seriam mais baixos.

A concentração do emplacamento em apenas seis empresas chegou a despertar suspeita de cartel – que ocorre, por exemplo, quando as empresas de um determinado segmento se unem de forma a promover ganhos ilícitos, por exemplo, com o tabelamento superfaturado de um serviço, causando prejuízo ao consumidor.

O Procon-MS (Superintendência para Orientação e Defesa do Consumidor), portanto, abriu investigação e as empresas têm até quinta-feira para detalhar as planilhas de composição de preços. O preço do emplacamento, porém, já apresentou redução e chega a custar R$ 129 a unidade em uma das empresas credenciadas.

A respeito da exigência na Portaria do Detran-MS, o Jornal Midiamax também fez solicitação de posicionamento, mas também não recebeu resposta.