Governo fala em extinguir municípios com menos de 5 mil habitantes

Entregue ontem ao Congresso Nacional, a proposta de pacto federativo elaborada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro já apresenta um item que deve desagradar moradores de, pelo menos, 20% das cidades brasileiras. A intenção é propor a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e que sejam incapazes de gerar 10% de sua receita, com a incorporação das localidades e dos territórios aos vizinhos. A iniciativa do Planalto, que em termos populacionais já incluiria 5 municípios no Estado, também freia a criação de novas prefeituras.

O texto prevê a extinção dos municípios a partir de 2026, desde que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do pacto federativo seja aprovada com essa alteração. Estimativas preliminares do Ministério da Economia listam 1.254 cidades como passíveis de serem incorporadas por outros municípios, o equivalente a 22,5% dos 5.570 existentes no Brasil. Ao defender o tema, o ministro Paulo Guedes (Economia) sustentou que houve, nos últimos anos, uma proliferação de municípios, que gerou desequilíbrios fiscais –eram 4.491 em 1991.

A criação de novas prefeituras depende da realização de plebiscitos com as comunidades impactadas (das novas cidades e daquelas que cederão área e população), após serem atendidos alguns critérios: população superior a 10 mil habitantes ou equivalente a cinco milésimos da do Estado; eleitorado superior a 10% da população do novo município e centro urbano com mais de 200 casas. A arrecadação própria também deve ser equivalente a cinco milésimos da estadual.

Pelo menos no quesito populacional, hoje, cinco municípios do Estado cairiam no pente-fino do pacto federativo, conforme estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2018: Figueirão (3.044 habitantes), Taquarussu (3.583), Novo Horizonte do Sul (3.943), Jateí (4.034) e Rio Negro (4.819). Entre seus atuais prefeitos, a avaliação é de que a medida é problemática por dois fatores: afastar a população da estrutura administrativa e ameaçar serviços públicos já instalados.

É o que avaliou o presidente da Assomasul (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul), Pedro Caravina (PSDB, Bataguassu). “Isso aí ainda vai dar conversa. Criar novos municípios, o presidente já deu declarações dizendo que não cabe mais. Se os que existem não conseguem sobreviver, vamos criar outros?”, analisou. “Agora, pegar um município formado com estrutura e fundir com outro é incoerente”, prosseguiu.

Caravina ressaltou casos como no Amazonas, onde há municípios com população inferior a 5 mil habitantes e baixa receita que, caso fossem incorporados a outros e fossem rebaixados a distritos, teriam a sede a centenas de quilômetros de distância. “Superar essa distância é muito complicado”, afirmou.

O presidente da entidade ainda avalia que o problema não está na falta de receitas próprias –que vêm de impostos como o IPTU e o ISS–, “mas no bolo de repasses, que tem de ser melhor distribuído. Se você faz isso, a receita automaticamente melhora”. “Entendo a posição do governo, mas a proposta não se sustenta: fundir municípios é algo que precisa ser bem analisado, porque eles têm estrutura montada e funcionando”.

Na fila – Penúltimo município criado em Mato Grosso do Sul –em 29 de setembro de 2003, a partir da emancipação de Camapuã–, Figueirão (a 226 km de Campo Grande) tem um orçamento para este ano de cerca de R$ 30 milhões. Deste total, R$ 1,7 milhão (menos de 6%) são em receitas próprias vindas de impostos municipais. Assim, estaria nos dois critérios do novo pacto federativo para ser “rebaixado”.

“Com nossa arrecadação, conseguimos fazer o custeio da máquina pública, pagar totalmente os nossos gastos e, com isso, tocamos a gestão. Quando era distrito, Figueirão estava a 120 quilômetros de Camapuã. Como um município do tamanho de Camapuã conseguir se atender e olhar para Figueirão?”, questionou o vice-prefeito Fernando Barbosa Martins (PSDB). “Criar o município foi um avanço, falta o governo ter um olhar melhor para estes municípios pequenos. Não simplesmente voltar, mas aumentar o repasse do FPM”, prosseguiu.

A situação é semelhante à de Taquarussu –a 332 km da Capital–, onde o prefeito Roberto Tavares Almeida (PSDB) já confirma a inclusão do município na proposta: com um orçamento de R$ 31 milhões, prevê menos de R$ 900 mil em receitas próprias. “Recebemos FPM, ICMS Ecológico, ITR (Imposto Territorial Rural). Sobrevivemos e tocamos a prefeitura com a estrutura administrativa que temos. Se dependêssemos desses 10% de receita própria não administraríamos, porque a cidade não tem empresas, o ISS é baixo, e o IPTU, idem”, avaliou.

Apesar da receita apertada, Almeida afirma que consegue manter a estrutura de gestão em condições melhores que cidades vizinhas. “Nosso maior vizinho é Batayporã, que tem mais de 10 mil habitantes. Eles não têm hospital. Taquarussu tem, e atende às demandas locais. Vamos nos juntar a uma cidade sem hospital?”, questionou. Batayporã abriu neste ano um Pronto Atendimento Médico no local onde funcionava o seu hospital.

Para o prefeito de Taquarussu, a proposta do governo federal também resultará em prejuízos à população. “Nosso município é mais organizado financeiramente e estruturalmente do que outros maiores”, afirmou, reiterando não crer que a proposta avance, “porque são muitas cidades no país que seriam extintas”.

Campo Grande News