MS é pioneiro na produção de “carne carbono neutro” copiada pela Austrália

O modelo já foi parar na Austrália e em algumas cidades australianas, como Melbourne, já é possível encontrar nos melhores restaurantes uma carne bovina ambientalmente correta. Ainda assim, essa carne que carrega o selo “Carbon-neutral beef” foi ideia brasileira e mais especificamente, sul-mato-grossense. Foi em uma fazenda de Ribas do Rio Pardo, a 103 km de Campo Grande, que uma das promessas de revolucionar a pecuária mundial começou.
Mas, afinal, o que é esse selo de “carne livre de carbono”? Calma, a carne não é verde ou diferente. O nome é uma alusão ao fato de ter sido produzida em sistema que não agride o meio ambiente e isso só é possível por um sistema inventado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de Mato Grosso do Sul.
Essa carne leva o nome em razão de uma tecnologia de integração entre pecuária e floresta. Isso significa colocar o gado junto com uma floresta plantada, para que as árvores absorvam o CO2. Até agora, a espécie que demonstrou unir melhor o “útil ao agradável” foi o eucalipto. A possibilidade é que essa nova pecuária ganhe o mercado de forma mais agressiva em 2020, já que o protocolo da carne com carbono neutro aguarda palavra final da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Pesquisador da Embrapa gado de corte de Campo Grande e um dos responsáveis pelo desenvolvimento dessa tecnologia, Roberto Giolo se mostrou otimista, falou que o momento nunca foi “tão propício” como agora (por diversos motivos) e defende que Mato Grosso do Sul desbravou essa nova forma de pecuária.
O grande embate é tirar dessa lucrativa atividade econômica brasileira a imagem de vilão ambiental. O gado é responsável por produzir muito metano e aliado ao desmatamento onde ficam os pastos, torna-se símbolo de uma atividade que lança muito CO2 na atmosfera contribuindo para o já acelerado aquecimento global. De quebra, o novo certificado CCN (Carne Carbono Neutro) vai unir as duas maiores atividades exportadoras de Mato Grosso do Sul: celulose e papel.
Segundo o pesquisador, a ideia começou em 2010, época em que, avalia, a pressão mundial para a atividade brasileira deixar de ser tão agressiva ambientalmente era muito maior. Essa pressão culminou, inclusive, no chamado Plano ABC (Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura) que tem entre os 7 programas a integração entre pecuária e floresta.
“Então como a nossa pecuária ainda é bastante ineficiente, e naquela época ainda era mais, a gente sofreu um impacto grande nesse sentido. A gente colocando o componente florestal na pecuária tem um sequestro de carbono muito grande pelo crescimento das árvores. Então o pulo do gato, a ideia com relação ao estudo Carne Carbono Neutro, foi inserir o componente florestal no sistema pecuário e fazer as contas: quanto o animal está emitindo de gases do efeito estufa e quanto está sendo sequestrado pelas árvores. É super simples”, comenta Giolo.
A fazenda pecuarista Boa Aguada, do grupo Mutum, em Ribas do Rio Pardo, foi a primeira de 8 propriedades do Brasil a implementar, em 2015, o sistema onde bois dividem espaço com eucalipto.
“No final das contas a gente trabalha em mais de 90% dos sistemas com o eucalipto porque é a árvore que mais cresce, o crescimento é rápido. O pecuarista…a primeira coisa que querem saber é quanto tempo vai ficar sem colocar o animal naquela área”, conta o pesquisador sobre o eucalipto ter atendido “perfeitamente” aos anseios do produtor rural.
Roberto Giolo comenta, além disso, que um dos temores com relação à essa espécie de árvore, conhecida por sugar recursos hídricos (razão pela qual é chamada de deserto verde) não é motivo de preocupação nesse sistema. “Isso ocorre em grandes áreas plantadas, muitos hectares só com árvores. A gente trabalha com no mínimo 100 a 400 árvores, então veja a diferença, a gente está falando de uma área com muito menos árvores, os estudos mostram que o problema, se tiver, é muito pequeno, praticamente inexistente”, diz.
O pesquisador da Embrapa defende que Mato Grosso do Sul pode ditar as regras desse novo sistema, e que há, por aqui, “particular interesse” pela nova tecnologia que promete economia e sustentabilidade.
“[MS] Tem uma das pecuárias, em termo de tecnologias, com maior área utilizada, mais de 2 milhões de hectares, de inclusão de sistemas florestais, a exemplo da área do bolsão sul-mato-grossense. É um local privilegiado por esse tipo de sistema. Eu diria que é o estado com maior potencial do Brasil atualmente”, comentou.
Lucrar duas vezes – Além disso, a CCN promete dar ainda mais lucro a quem produz. Isso porque além da carne, o produtor rural pode comercializar a madeira e, ao invés de expandir a área ocupada pelo gado, colocar bois em áreas onde havia eucalipto plantado, mas que restaram parte das árvores.
“É um local privilegiado para esse tipo de sistema. Tem demanda de quem produz celulose, em alguns sistemas eles não tiram todas as árvores, deixam algumas, e podem aproveitar a área Esses sistemas justamente vão contribuir para o meio ambiente à medida que produzem madeira e o corte de madeira a gente sabe que é ilegal, existem leis pra isso, mas sabemos que ainda vem acontecendo, então esses sistemas permitem consumo de madeira com diminuição de impacto sobre vegetação nativa, fora que vai estar sequestrando mais carbono”, diz.
Roberto acredita que a ponte que há entre a informação sobre a viabilidade dessa tecnologia e a cultura do produtor acostumado a abrir apenas pastagem para o gado representa o maior entrave para que a CCN avance no Brasil.
“Normalmente propriedade de pecuária é propriedade grande em relação a de agricultura. E o produtor pensa: ‘vou colocar na propriedade inteira?’ Não. Tem partes que são mais adequadas para se colocar”, disse.
Faca e queijo na mão – “O Brasil está com a faca e o queijo na mão”, garante Roberto, otimista. Apesar de tanto avanço, não é dessa forma que o país está ganhando notoriedade. O país causou crise internacional com o aumento do desmatamento e as queimadas que atingem a Amazônia. Declarações de Jair Bolsonaro (PSL), que desdenhou e diminuiu a relevância do cenário, também não ajudaram.
Nada disso abala a confiança do pesquisador que cita, inclusive, a vontade dos produtores de levarem adiante o novo modelo pecuário. Pecuaristas criaram, em fevereiro deste ano, a Associação Brasileira de Produtores de Carne Carbono Neutro.
“A gente está num momento super propício porque essa temática da carne com baixo carbono vem exatamente ao encontro da necessidade mundial. São eles que demandam a nossa carne, apesar da gente exportar apenas em torno de 15 a 20%, eles são demandantes e influenciam. Eu diria que é a bola da vez para gente ganhar mercado e mostrar que a gente tem tecnologia. No mundo tropical só o Brasil faz isso. A gente não inventou a roda, mas a gente que consegue fazer a nossa roda”, disse.
Para complementar o prognóstico, Roberto Giolo credita esse sucesso à uma sociedade que acordou: o meio ambiente ganhou as ruas e as falas de todo tipo de gente no Brasil e no mundo. Surgiram figuras como a jovem ativista Greta Thunberg, adolescente sueca de apenas 16 anos responsável por levar multidões às ruas para pressionarem governos e indústrias para tomarem medidas que impeçam o colapso climático.
“Uma coisa que eu gostaria que mais gente soubesse. A Austrália, a partir dessa nova iniciativa brasileira, implementou a ideia da carne carbono neutro para 2030. A Nova Zelândia implementou a carne carbono neutro para 2050. Então veja, a gente já está na frente deles e eles copiaram, no bom sentido. É um dos momentos que o Brasil está à frente, por isso que a gente não pode perder esse timing de utilizar essa tecnologia”, analisa.
Campo Grande News