Com novas regras de transparência, presidente do Senado, Davi Alcolumbre, não precisa explicar gasto de R$1 milhão em diárias de hotel
Aluguéis de carros, diárias em hotéis, abastecimento em postos de combustíveis e impressão em gráficas são serviços triviais que integram a rotina de um parlamentar — e que podem ser custeados com dinheiro público. Caso um contribuinte queira saber quanto e em que os deputados de seu estado gastam, pode acessar o site da Câmara dos Deputados. Se quiser saber como um senador gasta, é mais difícil. É possível conferir os valores, mas não em que tipo de serviço a verba foi usada. O resultado dessa diferença nas normas de transparência é que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), gastou quase R$ 1 milhão em um hotel em Macapá, no Amapá, o equivalente a mais de 7 mil diárias, e não tem de explicar a razão de tal dispêndio. Já o senador Telmário Mota (PROS-RR) repassou R$ 24 mil a um prestador de serviços que afirma nunca ter emitido qualquer nota para justificar o gasto. A senadora Maria do Carmo (DEM-SE) também não teve de prestar contas dos motivos que a levaram a gastar quase R$ 700 mil em pagamentos a pessoas físicas, cuja prestação de contas é menos transparente.
As notas fiscais que justificam os gastos dos senadores são apresentadas periodicamente à Secretaria de Finanças do Senado, mas não são abertas ao público. Um parecer da Advocacia-Geral do Senado, de 2016, quando Renan Calheiros era presidente da Casa, delegou aos senadores a decisão de dar publicidade ou não a suas notas depois de um pedido feito via Lei de Acesso à Informação (LAI), que requeria os recibos de um parlamentar. Em abril deste ano, Davi Alcolumbre tornou o parecer uma norma no Senado. Por quê? Não se sabe. ÉPOCA procurou os 15 senadores que mais gastaram nesta legislatura (somados, os gastos chegam a R$ 2,31 milhões) e pediu para conferir as prestações de contas apresentadas ao Senado. Só dois, Paulo Paim (PT-RS) e Omar Aziz (PSD-AM), mostraram as despesas. Os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Humberto Costa (PT-PE), Romário (Podemos-RJ), Mailza Gomes (PP-AC), Telmário Mota (PROS-RR), Mecias de Jesus (PRB-RR), Jarbas Vasconcelos (MDB-PE), Marcelo Castro (MDB-PI), Zequinha Marinho (PSC-PA), Paulo Rocha (PT-PA), Elmano Férrer (Podemos-PI), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), ordenados de acordo com quem mais gastou até quem menos gastou, não disponibilizaram suas notas. No total, R$ 100 milhões dos cofres da União foram usados para bancar os gastos de todos os senadores nos últimos quatro anos.
Davi Alcolumbre, que prometeu, em sua candidatura à presidência da Casa, dar mais publicidade aos gastos dos senadores, acumulou despesas de R$ 78.600 neste ano e, assim como a maioria dos colegas, tampouco forneceu as notas de seus gastos pedidas pela reportagem. Os questionamentos de ÉPOCA se referem às despesas do senador para o pagamento de diárias em um hotel modesto do bairro de Santa Rita, em Macapá, vizinhança onde nasceu o senador. O Hotel Mais dispõe de 41 suítes — e R$ 140 é sua diária mais cara. O estabelecimento também oferece o serviço de locação de carros. Quando era deputado, Alcolumbre usou R$ 594 mil entre 2011 e 2014 para custear os serviços do hotel. Entre 2015 e 2019, já senador, valeu-se de R$ 312.500. Cada senador do Amapá tem direito a R$ 42 mil mensais em verba indenizatória.
Para fazer frente a todo o gasto apresentado pelo senador, seriam necessários quase 18 anos de hospedagem na suíte mais cara do Hotel Mais. Parte desse valor, R$ 83.900, foi paga ao hotel para o aluguel de um Mitsubishi Outlander, entre 2014 e 2015. Quase um ano depois da prestação de contas sobre o aluguel, feita quando Alcolumbre era deputado, o carro foi transferido para a Salomão Alcolumbre Cia. Ltda., empresa do primo do senador, conforme informações obtidas no Detran do Amapá. Se Alcolumbre usasse apenas a verba paga ao Hotel Mais como senador para custear diárias, equivaleria a 2.300 dias de hospedagem. Ou seja, um assessor do presidente do Senado poderia ter morado no melhor quarto do hotel por seis anos — período superior ao mandato. Apenas no dia 25 de abril de 2018, o hotel emitiu três notas em nome do senador, nos valores de R$ 4 mil, R$ 2.890 e R$ 960. Com o valor total, R$ 7.850, seria possível hospedar 56 casais por um dia.
Amanda Almeida, de Macapá, Natália Portinari e Patrik Camporez EPOCA