Costa Rica: reportagem do Fantástico sobre drama da radialista é destaque nacional

Imagine viver o tempo todo sabendo que tem alguém observando e perseguindo você: “Eu tenho medo, apareceu um medo, e eu me tornei uma pessoa fechada”, diz uma vítima. “Você começa a receber mensagens e mais mensagens de um desconhecido, com ameaças”, diz outra. “Foi ficando mais agressivo o tom: ‘Se você não comparecer, você vai pagar caro. se eu fosse você, eu não pagava pra ver o que vai te acontecer, e do nada ele aparece na sua frente. Quando a pessoa chegou, eu fiquei assustadíssima e disse: ‘Eu quero que você vá embora, você está me incomodando'”, relata a terceira.

Essas mulheres são vítimas de uma violência que, ao contrário de outros países, ainda não é considerada crime no Brasil: O “Stalking”, em português, “perseguição”. Segundo estatísticas do país que mais estuda o assunto no mundo, os Estados Unidos, 15% das mulheres e 6% dos homens vão ser vítimas de um stalker, um perseguidor, em algum momento da vida.

O drama da radialista Verlinda começou em 2016, quando ela morava em Costa rica, cidade do interior de Mato Grosso do Sul. No começo, ele era apenas mais um fã que ligava pedindo e oferecendo músicas para a própria locutora. Ela começou a perceber que o comportamento era estranho quando ele passou a ligar para ela mais de 25 vezes por dia.

Verlinda Robles, radialista que chegou a mudar de cidade para fugir de seu perseguidor. Ela pediu medida cautelar. — Foto: Fantástico/Reprodução

Verlinda conta que era um homem conhecido na cidade, que tem cerca de 20 mil habitantes. “Eu sabia quem era mas nunca tinha conversado com ele”, relata. O homem é Juarez Cardoso dos Santos, que em 2008 chegou a ser candidato a vereador. “Ligava uma, ligava duas, ligava em todos os programas pedindo música e pedindo para falar comigo também”, conta. Quando ela atendia, ele se declarava:

“‘Deus que quer essa união, é Deus; você não gosta de mim, mas você ainda vai gostar’, dessa maneira ele colocava”, relata.

A radialista respondia: “Eu dizia que não adiantava, que eu não gostava dele, que se a gente conversasse era só uma amizade, não passava daquilo ali, como ouvinte. Ele chegou a ligar no meu celular, registrado, 25 vezes em um dia”. Perguntamos como ele tinha o celular de Verlinda, e ela responde: “Eu também queria saber”.

Verlinda diz que ele conseguiu muito mais: “Todos os celulares das pessoas, os meus amigos, inclusive os meus amigos particulares da rua, ele ligava e queria saber de mim! Queria saber onde eu estava, queria saber de mim, se eu tinha namorado, essas coisas”, declara.

No Brasil, não existem estatísticas sobre stalking. Nos Estados Unidos, pesquisas mostram que uma em cada sete vítimas de stalkers acaba mudando de endereço para tentar se proteger. Foi o que Verlinda fez: “O medo fez eu mudar de cidade, fez eu vir para um lugar onde eu não conheço ninguém”.

Mas Juarez descobriu o telefone do novo trabalho e passou a persegui-la pelas redes sociais. Como ele tem deficiência visual, ela acredita que ele não fazia isso sozinho. Verlinda chegou a receber no celular uma foto de Juarez, enviada por um suposto primo dele, junto com um texto dizendo: “Ele está ligando para você, kkk”. “Eu fiquei horrorizada”, relata. Verlinda acabou indo à polícia, mas antes de saber o que mais aconteceu com ela, conheça o relato das outras vítimas.

Cyberstalking

O tormento de uma estudante que pediu para não ser identificada começou em 2013. “Eu fui fazer uma viagem com a minha família, e a gente fez uma trilha, caminhando, e a pessoa estava no mesmo grupo que a gente. Todo mundo trocou contatos durante a viagem”, conta.

Na volta, começou o que os especialistas chamam de “cyberstalking”, a perseguição virtual: “Ele morava em outra cidade, em outro estado, então eu nunca me preocupei com isso”. A insistência dele fez com que ela bloqueasse o contato. “Aí, seis meses depois, ele apareceu dentro do espaço onde eu estudo”, relata. Não adiantou ela deixar bem claro que não queria nada com ele.

“Ele voltou a aparecer diversas vezes durante o semestre inteiro. Durante cinco, seis meses eu convivi com a ameaça de chegar para ter uma aula e ter uma pessoa lá esperando eu chegar”. As pesquisas americanas mostram que o tempo médio de uma perseguição é de 2 anos, e 11% das vítimas de stalker nos Estados Unidos foram perseguidas por 5 anos ou mais.

Para o psiquiatria Daniel Barros, porém, esse comportamento não é necessariamente doentio:

“Não é uma doença. Tem estudos que mostram que, na maioria dos casos em que existe a perseguição, o perseguidor não tem qualquer diagnóstico psiquiátrico. Ele sabe muito bem o que está fazendo, ele sabe o que ele está fazendo está errado.”

Mas em alguns casos o perseguidor tem, sim, transtornos mentais, como explica a promotora Ana Lara Camargo de Castro, que estudou o stalking nos Estados Unidos: “Ele está ali entre o obsessivo e aquela pessoa incapaz de lidar com a frustração, incapaz de lidar com uma rejeição”, explica.

Um terço das vítimas tem medo de que a perseguição não acabe nunca, mesmo nos casos em que o stalker não faz ameaças diretas. “Só o fato de ele estar ali e eu não saber quando ele vai aparecer, isso para mim já é ameaçador o suficiente”, relata a estudante.

A jovem decidiu alertar a família, os amigos e a faculdade onde estuda: “Ter essa rede de apoio de falar ‘tô bem’ e avisar que você está indo e vindo, pelo menos enquanto você não souber o que está acontecendo, é um jeito de se proteger, sabe?”.

A professora Erika Lourenço, de Belo Horizonte, também foi vítima de cyberstalking. A perseguição começou por e-mail.

“A pessoa dizia que era um aluno meu na Universidade, que havia criado aquele e-mail fake apenas para me comunicar que todos os alunos da turma estavam visualizando um perfil que eu teria em um site de relacionamento. Pensei: provavelmente é algum aluno que está fazendo alguma brincadeira e simplesmente ignorei a mensagem”, conta.

Erika Lourenço, professora vítima de stalking, teve que pedir afastamento da universidade por problemas psicológicos causados pela perseguição. — Foto: Fantástico/Reprodução

“Mas começaram logo em seguida a chegar outras mensagens por e-mail, sempre identificados com nome de homens”. Foram criados ao longo desse tempo, que foram mais de dois anos de perseguição, cerca de 200, 230 contas, entre contas de e-mail, perfis de facebook e perfis em sites diversos.

O stalker fez montagens com fotos de Érika e dizia que elas estavam sendo divulgadas na internet: “Em algumas aparecia meu rosto em um corpo nu por exemplo. Um casal numa cena de sexo e o meu rosto lá como se eu fosse a mulher”, relata.

Num dos e-mails ele escreveu: “Prepare-se que seu ano vai ser um inferno, sem tréguas. Vou te dar uma chance, marque comigo o mais rápido possível”.

O stalker mandou para Érika uma foto da fachada do prédio onde ela morava na época. “Isso foi me causando um estado de ansiedade, de tensão, de modo que entrar na universidade se tornou muito aversivo para mim. Eu suspeitava de todo mundo, né? Inclusive dos meus colegas, eu olhava, falava assim: ‘Será que pode ser essa pessoa?'”.

“Tinha também essa dor de não tá suportando ficar nesse lugar. Por outro lado eu tinha medo de ir para casa, porque eu não sabia se essa pessoa estava na rua, estava me esperando na porta da minha casa”, conta a professora.

Consequências psicológicas

“Isso pode desregular o sistema emocional da vítima e pode levá-la a quadros de adoecimento. Existem vários tipos de transtorno de ansiedade, pânico, ansiedade generalizada, algumas pessoas podem ficar com depressões graves conta disso”, explica o psiquiatra.

As vítimas relatam a necessidade de tratamento:

“Eu me tornei uma pessoa fechada, me tornei uma pessoa que eu não consigo ficar de portas abertas, eu peguei um trauma de atender telefone. Eu acho que tenho que me tratar disso, em consequência disso”, conta Verlinda.

Érika também achou que precisava de tratamento psicológico. Tirou licença da universidade e tomou mais uma atitude: procurou a polícia. Mas aconteceu com Érika o que acontece com muitas vítimas de stalkers, como explica Gisele Truzzi, especialista em direito digital:

“Às vezes a delegacia informa que não é ali que ela deve fazer o registro da ocorrência porque se trata de um crime eletrônico”. Mas quando a vítima procura a delegacia especializada, “às vezes há um procedimento específico de só atender ali, nessa especializada, os crimes que possuem prejuízo financeiro, como uma fraude, um estelionato eletrônico ou algo do tipo”, explica.

Aqui no Brasil, stalkear uma pessoa não é crime em nenhuma situação:

“É um delito que diz assim: ‘Perturbar por acinte ou outro motivo reprovável a tranquilidade alheia’, a lei é de 1941 e prevê pagamento de multa ou prisão de 15 dias a 2 meses” explica a promotora.

O que fazer?

“Infelizmente, nossa legislação carece ainda de uma punição mais grave para esse tipo de conduta, uma conduta muito preocupante atualmente, mas que ainda merece atenção do nosso legislador pra que venha a ser punida de forma mais grave”, afirma o delegado Luiz Quirino, que atendeu o caso de Verlinda.

A estudante chegou a fazer boletim de ocorrência, só que, após o registro, as vítimas de crimes contra a honra e contra as liberdades individuais têm seis meses pra processar o agressor. Nesses casos, não cabe à polícia nem ao Ministério Público abrir o processo. A estudante não entrou com processo, e o boletim de ocorrência perdeu a validade.

No caso da Verlinda, ela conseguiu na Justiça uma medida cautelar. Juarez Cardoso dos Santos não pode mais ter qualquer tipo de contato com ela.

Juarez acha que não fez nada de mais:

“Eu queria que Deus me ouvisse para que fizesse nascer no coração dela o amor, porque enquanto ela tá achando que é ódio de minha pessoa, para que ela possa saber que seria amor”, declara Juarez.

No caso da Érika Lourenço, houve ameaça, difamação, calúnia e injúria, que são crimes previstos na lei. Ela diz que procurou a delegacia da mulher e a de crimes cibernéticos, mas que só conseguiu resolver o problema depois de contratar um advogado: “A partir desse momento, sim, as coisas começaram a caminhar”.

“A gente conseguiu identificar qual era o provedor que ele tinha acesso à internet, e assim o stalker foi descoberto”, conta o advogado. Não era aluno nem professor da universidade.

“Uma pessoa com quem eu saí duas vezes, que eu tinha conhecido através da internet, né? Fomos almoçar, fomos ao cinema, e só. Ele começou a mandar muitas mensagens, a se tornar uma pessoa muito pegajosa, assim, e eu fui falando com ele, pedindo para ele parar de mandar”, conta a professora.

Érika bloqueou o acesso dele e deletou o contato. Tempos depois, começaram a aparecer mensagens anônimas. Um dos computadores que o stalker usava pra perseguir e ameaçar a professora era do pai dele.

Segundo o advogado de Erika, Alexandre Atheniense: “O stalker resolveu não fazer com que o pai fosse alvo de uma ação criminal, e com isso resolveu nos procurar através do seu advogado para celebrar um acordo, no qual ele reconhecia textualmente ser o autor de todos os conteúdos ofensivos e falsos que atacaram minha cliente”.

Érika aceitou o acordo. O stalker teve que pagar uma indenização de 10 mil reais, e Érika publicou uma carta divulgando o caso nas mesmas redes em que ela foi atacada.

Perguntada sobre qual o conselho que daria para uma pessoa que está se sentindo stalkeada, perseguida, a promotora Ana Lara explica:

“Primeiro eu acho que é muito importante que essa pessoa documente as etapas. Faz uma ata notarial em cartório do conteúdo daquela troca de conversas, preserve aquela conversa dentro do seu aplicativo se precisar fazer um auto de constatação ou uma perícia naquele aparelho”, declara.

A promotora Ana Lara Castro, especialista em stalking, explica que é preciso documentar a perseguição. — Foto: Fantástico/Reprodução

“É preciso que as pessoas do seu convívio, seus familiares, seus amigos próximos saibam o que está acontecendo. que você tenha um celular sempre à mão com seus contatos mais próximos fáceis de serem achados, acionados naquele momento, que você proteja as suas redes sociais, os seus dispositivos, mantenha as suas câmeras sempre cobertas”, explica Ana Lara.

“Fica essa marca, fica uma aprendizagem, né? Fica um cuidado maior diante dessa tecnologia das redes sociais do uso que a gente faz disso. Isso transforma”.

Por Fantástico — Campo Grande