Imagens inéditas mostram a realidade dura e sacrificante da rotina dos trabalhos de buscas por vítimas do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG). O trabalho da Cruz Vermelha de Minas Gerais foi acompanhado de perto durante dois dos primeiros dias de operação.
Toda atuação dos voluntários foi registrada, desde a oração antes da saída para as buscas e o planejamento para o dia de trabalhos até as dificuldades em meio à lama.
De acordo com o último balanço da Defesa Civil de Minas Gerais, 165 mortes provocadas pelo rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão já foram confirmadas. Segundo o órgão, 160 corpos foram identificados e 155 pessoas seguem desaparecidas.
A Cruz Vermelha, instituição que promove ajuda humanitária em todo mundo, está presente no Brasil há mais de cem anos e, atualmente, desenvolve trabalhos em cerca de 20 estados. Além de Brumadinho, os voluntários da entidade auxiliaram, por exemplo, nas operações da tragédia provocada pela enchente que atingiu cidades da Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011.
Um dos integrantes da Cruz Vermelha em Minas é o empresário Tiago Palhares, de 37 anos, que há três atua como voluntário. Ele conta que chegou a Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, cerca de três horas após a estrutura da barragem vir abaixo.
“Realmente, não dava para imaginar [o que tinha acontecido], não. Como nem a Vale tinha divulgado o tamanho da catástrofe ainda, foi no caminho que a gente começou a ter ideia do tamanho da tragédia”, conta o voluntário, que, pela primeira vez, participou de trabalhos na zona quente. Para esse tipo de atuação, ele fez diversos cursos, como de resgate em altura e de evacuação.
De acordo com Palhares, a Cruz Vermelha atua em paralelo ao Corpo de Bombeiros. Segundo ele, nas primeiras horas, o foco dele e dos outros voluntários que o acompanhavam era procurar sobreviventes; sem sucesso. Depois, a busca se concentrou na localização de corpos.
Um dos momentos logo após o encontro de corpos foi registrado. “A gente acabou encontrando dois corpos dilacerados. Estamos aguardando os bombeiros virem com o helicóptero para resgatar”, diz um dos voluntários.
Para vencer a dificuldade do deslocamento nas regiões atingidas pela lama, os voluntários precisavam de calma e contavam com auxílio de lonas e cordas. E eles tiveram ainda que enfrentar outros percalços. O cheiro forte, que, em alguns momentos, chegava a provocar ânsia de vômito, e o clima pesado entorno do ambiente de busca estavam entre eles.
No início da operação em Brumadinho, o empresário Tiago Palhares atuou por seis dias. Do dia 25 para 26 de janeiro, ele virou a noite tentando encontrar vítimas do desastre. Nos outros dias, praticamente não dormiu. Segundo ele, na Cruz Vermelha, a cada quatro horas, o voluntário tem uma hora de descanso. E, a cada período de 12 horas de trabalho, há uma pausa de três a quatro horas.
Na zona quente, de acordo com o empresário, atuou um grupo de cerca de dez pessoas da Cruz Vermelha. Segundo Palhares, aproximadamente 15 integrantes trabalharam na área de assistência social e psicológica. Ele afirma que a instituição ainda contou, nos primeiros dias, com cerca de 30 a 40 voluntários, percorrendo áreas isoladas e levando, por exemplo, água e mantimentos.
O empresário diz que a Cruz Vermelha também acompanhou um grupo espanhol, que levou a Brumadinho 12 cães farejadores para reforçar as buscas. Assim como as equipes de resgate, os animais enfrentam dificuldades no deslocamento na lama. Para que os cachorros possam identificar o cheiro de corpos em meio ao rejeito, os voluntários precisavam fazer buracos na lama com ajuda de bastões de madeira.
O barulho dos helicópteros, que a todo tempo cortam o céu de Brumadinho, levando equipes até a área de resgate ou transportando corpos localizados, está marcado na lembrança de Palhares.
“Uma coisa perturbadora foi esse barulho. Algumas vezes, a gente usou o helicóptero do Exército. Entrava todo mundo calado, ninguém consegue falar, quase um cenário de guerra mesmo”, relembra. Palhares conta que também tinha os helicópteros como referência sobre o andamento das buscas. “Se eles paravam de voar, a gente sabia que as buscas estavam interrompidas”, diz.
Para ele, o mais marcante dessa experiência, não é a tragédia, mas a solidariedade da comunidade.
“Para ser sincero, achei que fosse ficar muito abalado com pessoas mortas, com os corpos. A comunidade ter ajudado a gente foi muito marcante. Mais do que o desastre, o que mais marcou foi ver gente com muito pouco, muito humilde, que se dispunha a ajudar, fazer um lanche, levar um balde de água para gente se limpar”, diz.
Por Gustavo Chaves e Raquel Freitas, Bom Dia Minas e G1 Minas