Os primeiros assentados que chegaram ao atual distrito de Nova Itamarati, em Ponta Porã –a 323 km de Campo Grande– talvez não pensassem que, em menos de duas décadas, a comunidade passaria por duas transformações radicais: primeiro, a mudança econômica que deixou de lado aquele que seria o maior modelo de reforma agrária do país e o tornou área cobiçada pelo agronegócio –com lavouras de soja e milho ocupando lugares antes reservados à horticultura–; e, diretamente ligado ao anterior, a geração de riqueza superior a de muitas prefeituras de Mato Grosso do Sul, atraindo mais moradores que, hoje, sonham em viver no 80º município do Estado.
A trajetória pode ser resumida a alguns momentos. O primeiro deles foi a desapropriação da Fazenda Itamaraty, então pertencente ao milionário e intitulado “Rei da Soja” Olacyr de Moraes (já falecido), por volta de 2002, para que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) criasse o maior assentamento do país ao custo de R$ 150 milhões pelos 24,5 mil hectares da propriedade. Instalado, ele ofereceu a seus moradores estruturas inimagináveis para várias comunidades: armazéns, gigantescos pivôs de irrigação (86 operantes, abrangendo área de 120 hectares) e até uma pista de pouso e decolagem.
Enquanto o aeródromo virou pista de caminhada (depois de servir de base para a Força Nacional de Segurança por anos), a estrutura de produção segue bem utilizada. A ponto de voltar a ser usada para a vocação original: uma grande produção agrícola baseada em grãos, que ganharam espaços da pequena agricultura –ainda exercitada por muitos pequenos produtores e que deveria ser o foco principal do projeto de assentamento.
Com o tempo, terras passaram a ser arrendadas. Riqueza que, por “linhas tortas”, beneficiou muitos. Em 2005, o assentamento já era distrito de Ponta Porã e, agora, aguarda o Congresso Nacional para atingir a sonhada emancipação.
Erros e acertos – “O assentamento não atingiu o seu objetivo, mas foi o melhor para a população”, considera Junior Amaral Sobrinho, morador da comunidade desde 2004 e atualmente presidente da Comissão Pró-Emancipação de Nova Itamarati. “O que o Incra queria fazer foi ruim para o coletivo, porque a função do assentamento era produzir comida, viver de sítio. A agricultura familiar não inclui a soja, mas ela virou a única alternativa para geração de renda”.
Sobrinho explica que o assentamento gerava uma produção considerável, mas que não tinha para onde ser escoada. “Se plantassem melancia, melão, com os pivôs, seria referência. Mas aí onde você iria vender?”, questionou, apontando a carência de mercados com demanda –já que na Grande Dourados, destino natural, a produção disputaria com vários outros assentamentos. “Com a soja é garantido, tem onde vender”.
A produção de hortaliças chega a Ponta Porã semanalmente, graças a um ônibus da prefeitura. Já a produção de grãos engloba a área dos pivôs, de uso coletivo do assentamento e que é arrendada por quem viu na terra produtiva oportunidade que gerou riqueza aos moradores. “Cheguei em 2004 e aqui tinha muita motinha. Agora é difícil encontrar um carro bom”, sintetizou.
Dimensão – O resultado dessa dinâmica, nas contas dos nova-itamarienses, é uma população entre 15 e 17 mil habitantes, que coloca a comunidade entre a 38ª e 39ª posição do Estado, ocupada respectivamente por Porto Murtinho (16,6 mil moradores) e Iguatemi (15,7 milo), a qual a comunidade espera a emancipação para, de fato, saber seu real tamanho.
Mesmo diante de uma visível empolgação, a viabilidade da nova cidade gera dúvidas, mesmo com os moradores estimando uma geração de receita própria entre R$ 140 milhões e R$ 150 milhões. “Só da soja vem R$ 60 milhões”, prevê Sobrinho.
Prefeito de Ponta Porã, Helio Peluffo (PSDB) afirma ser favorável à implantação da nova cidade, porém, afirma ser necessário um levantamento minucioso para apurar, de fato, se Nova Itamarati ter condições de caminhar com as próprias pernas.
“Sou favorável às discussões técnicas. Sou avesso às discussões políticas. Tecnicamente, é viável para o Estado? É viável para todos? Se sim, então sou favorável”, destacou Peluffo, lembrando que o município seria mais um a pleitear a disputada verba do FPM (Fundo de Participação dos Municípios, composto por cerca de 25% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados), principal combustível da grande maioria dos municípios brasileiros, principalmente nos menores.
“A fatia do bolo é uma só. Quanto mais gente tiver para comer esse bolo, menor a fatia. Por mais que Ponta Porã vá perder, tem uma fatia compartilhada entre os 79 municípios”, advertiu o prefeito de Ponta Porã, ao considerar inevitável a emancipação. “Se tiver de nascer, tem de ser (com estrutura administrativa) enxuta. Não adianta criar município com conta, que no ano não paga o salário”.
“Vamos ter receita própria, diferente dos que dependem do FPM. O assentamento produz mais do que a fazenda, tem áreas ainda não plantadas e os assentados produzem até a beira da casa”, afirma Junior Sobrinho. Com a instituição do município de Nova Itamarati, a arrecadação hoje originada no distrito deixará de irrigar os cofres de Ponta Porã.
Quando criado o assentamento, havia uma escola e um posto de saúde. Hoje, o distrito tem quatro escolas, sendo três estaduais (incluindo duas maiores escolas rurais do Brasil, com mais de mil alunos em cada) e uma municipal, duas unidades de saúde recém-construídas e uma terceira reformada. “Aquele postinho da fazenda (Itamaraty), hoje, é a Associação da Melhor Idade”, conta Sobrinho. “Temos 4,3 mil lotes cortados”, prosseguiu, frustrado apenas com a ausência do asfalto, sonho que, espera, será realizado com a emancipação.
Servidor da Sanesul e morador do distrito, Antônio Dias vê na separação de Ponta Porã a solução para que serviços hoje ausentes cheguem à comunidade. “Hoje andamos 50 quilômetros até Ponta Porã para ter alguns serviços. Não temos cartório, não tem um banco, uma casa lotérica, posto de gasolina. Temos um caixa eletrônico que só pagamos alguns boletos”, afirma, reiterando que o prefeito ponta-poranense “nos ajudou muito, mudou o assentamento nos atendendo bem”.
Expectativa – Embora o trâmite ainda seja longo, moradores se mostram esperançosos. Em abril de 2018, foi realizada audiência pública para acelerar o processo de “independência”. A legislação que versa sobre a criação de novos municípios já passou pelo Senado, mas precisa do aval da Câmara, o que deve ocorrer em março deste ano. “Se for aprovada, aqueles distritos que já fizeram a audiência há um ano estarão aptos para o procedimento”, conta o presidente da comissão.
Na sequência ao andamento do caso no Congresso, virá a apresentação de requerimento à Assembleia Legislativa para que seja marcado o plebiscito que os moradores, confiantes, creem que resultará na emancipação.
“Estamos bem otimistas porque já temos toda a estrutura para ser. Muitos municípios não têm as qualidades que Nova Itamarati tem”, destacou Antônio Dias. “Sabemos que vai acontecer, não sei se em um ano, dois, até seis, estará no nosso pensamento”, emendou.
Além de um núcleo urbano, os entusiastas do novo município planejam uma área que se estenderia pelos assentamentos Aquidaban, Nova Era e Dorcelina Folador, até a divisa com o Assentamento Santa Maria, englobando ainda o distrito de Cabeceira do Apa. “A área que pretendemos emancipar só atinge Ponta Porã. Vamos até a divisa com Maracaju e Dourados, mas não ficaríamos com área deles”, pontuou Sobrinho, segundo quem o nome da nova cidade não será mudado.
“Será o município de Nova Itamarati”, finalizou.
Fonte:Campo Grande News Humberto Marques e Gabriel Neris