Coluna do Percival: a reserva dos derrotados

Claro que há muita burrice e rabugice no que tantos profissionais da comunicação vêm escrevendo e dizendo. Assim como o uso do cachimbo entorta a boca, o hábito de falar sozinho sem ser contestado desenvolve deformações políticas. Efaz carreira nos totalitarismos.

Não podemos esquecer que em todas as eleições presidenciais havidas entre 1994 e 2014, completando 20 anos e seis pleitos consecutivos, a nação foi constrangida a escolher entre dois partidos de esquerda – PSDB e PT. Contados os períodos dos respectivos mandatos, têm-se quase um quarto de séculodurante o qual a sociedade foi submetida a uma dieta política servida por legendas que apreciavam o mesmo cardápio. Não se discutiam outros pratos, outras receitas e, na maioria dos casos, o tempero era o mesmo: conversa fiada populista.

Liberais e conservadores, ou a direita (como queiram), ficaram sem pai nem mãe todo esse tempo. Situação inusitada. Algo análogo só se encontrará em países comunistas, creio.  Pessoas e partidos que poderiam falar pela direita de modo orgânico no Congresso Nacional estavam, geralmente, capturados,ora por um, ora por outro dosdois projetos de poder em curso. A retórica política tornou-semonótona. Governo e oposição, ambos “de esquerda”, usavam o mesmo vocabulário, o mesmo glossário, se alinhavam com o infame “politicamente correto”, com o globalismo, com intervencionismo estatal, com o populismo de esquerda e suas articulações, com a Escola de Frankfurt, com George Soros e a Open Society. Consequentemente, tinham e têm o mesmo compromisso com a degradação das estruturas que sustentam a civilização ocidental e com uma ordem econômica não capitalista.

O rolar do tempo e a falta de concorrência no mercado das ideiasforam criando uma espécie de pseudoconsenso em que qualquer expressão de base conservadora ou liberal era automaticamente repelida e expelida. Por não encontrar eco, sumia. Foi assim que o Brasil, empurrado pela política conforme era jogada, mas também pelas entidades representativas da tal “sociedade civil organizada” – OAB, CNBB, ABI, sindicatos e suas centrais, conselhos – aprendeu a falar a mesma linguagem e fez sumir as mesmas palavras. Quais?Pois é, será bom lembrá-las. Entre outras: ordem, tradição, honra, família, virtudes, princípios, fé, autoridade, capitalismo, propriedade. E mais: liberdade/responsabilidade e direitos/deveres, como binômiosnão fracionáveis.

O papel destruidor do que descrevo não poupou sequer a nação e sua história. Veio para cima das mesas, nas salas de aula, como refinado produto do saber, o lixo dos acontecimentos. Qualquer modo de contar a história do Brasil servia, desde que lhe suprimisse toda nobreza, todo sentimento de amor à pátria e valorização dos seus elementos unitivos, suas esplêndidas raízes, seus fundadores, suas grandes figuras humanas. Cobranças com vencimento à vista de supostas dívidas ancestrais são úteis a essa máquina de moer cidadania. Nenhuma nação de “credores” deu certo, mas a ideia nunca foi fazer dar certo. A ideia sempre foi trabalhar com os sentimentos menos nobres porque é com eles que se elegem os piores. Se me faço entender. E assim, nossas crianças – pasmem! –,há anos, ouvem a história do Brasil como quem testemunha uma delação premiadana qual o vício é narrado até onde não existe. Ena qual toda virtude, merecimento, bem, gratidão e reverência são castigadas com silêncio. Escaneiam a consciência dos mortos e esquecem a própria!

O prêmio por falar mal do Brasil, pela delação histórica, vai para jornalistas,professorese intelectuais militantes. Cabe a eles, nestes dias, como braços do mesmo corpo, a tarefa de substituir, temporariamente, os políticosvencidos pelo descrédito. Para quase todos os efeitos visíveis, são os protagonistas da oposição nesta alvorada de 2019.E eles estão, já se vê, cumprindo seu papel, ostentando as vestes alvas de uma superioridade moral que ninguém confirma.

 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.