A burguesia, essa imprecisa classe social, foi levada a júri simulado no Colégio Rosário, em Porto Alegre. A exótica atividade pedagógica ocorreu no mês de outubro. Divulgada com destaque no site do educandário, causou alvoroço entre muitos pais.
Com efeito, era uma notícia incomum. Tratava de um julgamento concluído, mas noticiava apenas o conjunto das acusações formuladas por sete turmas da segunda série do ensino médio. O que foi dito pela ré, por seus advogados, bem como os eventuais argumentos que a poderiam livrar do patíbulo não mereceu uma linha sequer no conteúdo veiculado pela escola. Um silêncio que induz a muitas conclusões e nenhuma boa.
Penso que juris simulados podem ser excelente instrumento pedagógico para estimular a participação de adolescentes e promover debates frutuosos. No entanto, é preciso prudência na escolha do réu, que deve ser impessoal, por exemplo – o sistema de governo, um vício, um projeto de lei. Eventos dessa natureza, com adolescentes, preenchem aquele requisito do pluralismo que deve caracterizar a apresentação de temas controversos.
O que não tem o menor cabimento é submeter a júri simulado uma classe social inteira. Isso nos remete aos períodos mais terríveis das revoluções comunistas do século XX! Estas, ao deixarem de lado o juízo sobre a responsabilidade individual dos réus, julgando-os segundo os grupos sociais a que pertenciam, regrediram na história. Impulsionadas pela luta de classes, escalaram a burguesia para a condição de ré mais comum, sempre considerada hostil. Levá-la à completa extinção foi tarefa que deu muito trabalho aos bolcheviques da Tcheka, o terrível “Comitê extraordinário pan-russo de combate à contrarrevolução e sabotagem”.
Uma breve resenha das acusações que as várias turmas do Colégio Rosário fizeram à burguesia nacional inclui este cardápio de atrocidades: exploração de mão-de-obra e recursos naturais, obsessão pelo lucro em detrimento da dignidade humana, estímulo à competividade e à ganância, degradação da saúde mental das sociedades, individualismo e consumismo,
apropriação privada dos meios de produção, criação de um ciclo vicioso de desigualdade, falta de compaixão, desumanização da população e desrespeito aos direitos; venda da força de trabalho pessoal, ruptura do princípio da autodeterminação. Vilã miserável essa tal burguesia, não é mesmo?
Quem lança tais acusações, em absoluta consonância com Karl Marx e seu Manifesto, deve presumir que o comunismo seja um depositário das mais nobres virtudes e não um grotesco genocida. Aliás, genocida com 100 milhões de vítimas, e fracassado que não consegue apresentar, em mais de quatro dezenas de experiências históricas, uma única democracia, uma economia que fique de pé após o consumo dos bens usurpados, e um estadista que possa ser nominado sem constrangimento.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+