A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) identificou a presença de um alto teor alcoólico em algumas das marcas brasileiras de pães de forma. A entidade afirmou que falta transparência dos fabricantes e que, algumas das variedades, poderiam até serem barradas em testes o bafômetro nas estradas.
Visconti, Bauducco, Wickbold 5 Zeros, Wickbold Sem Glúten, Wickbold Leve, Panco, Seven Boys, Wickbold, Plusvita e Pullman foram as marcas avaliadas. Apenas as duas últimas passaram em todos os testes.
A legislação brasileira, decreto nº 6.871, de 4 de junho de 2009, estabelece um limite de 0,5% do teor para um alimento ser considerado não alcoólico. Mas o pão da Bauducco teria 1,17% e o da Visconti, 3,37%, segundo a pesquisa. Veja a lista completa:
Pão de forma tem álcool? Veja o teor de cada marca
Marcas | Quantidade de álcool |
Visconti | 3,37 |
Bauducco | 1,17 |
Wickbold 5 zeros | 0,89 |
Wickbold SG | 0,66 |
Wickbold Leve | 0,52 |
Panco | 0,51 |
Wickbold | 0,35 |
Plus Vita | 0,16 |
Seven Boys | 0,5 |
Pulmann | 0,05 |
“Somente quatro marcas (Plus Vita, Seven Boys, Pulmann e Wickbold Tradicional) seriam considerados produtos não alcoólicos, ou seja, neste grupo amostral que tem alta representatividade de share do mercado de pães de forma, 60% não estariam conformes, ou seja, comparando-se a uma bebida, seriam considerados alcoólicos caso houvesse uma legislação similar para esta categoria”, diz o relatório da Proteste.
Posso ser reprovado no bafômetro após comer pão de forma?
Sim. Ao considerar o índice seguro para o Detran, que determina menos de 3,3 miligramas de álcool no organismo, se o consumidor comer duas fatias dos pães Visconti, Bauducco ou Wickbold 5 Zeros poderia ser barrado no teste do bafômetro.
A Proteste ainda alerta que, se esse pães fossem medicamentos fitoterápicos, seria necessário haver advertências nas embalagens. “Muitas crianças tomam medicamentos fitoterápicos, produzidos a partir de plantas. Segundo as diretrizes pediátricas europeias, o valor limítrofe de advertência para a presença de álcool em medicamentos fitoterápicos é de 6 mg/kg de peso corporal para crianças.”
A pesquisa foi feita com pães adquiridos em grandes redes de supermercados e com datas de validade que atendessem aos requisitos do laboratório parceiro.
Por que o pão de forma tem álcool?
Toda fabricação de pães passa por fermentação, quando os açúcares da massa são fermentados e transformados em álcool etílico e gases. Grande parte desse álcool evapora no forno, portanto, o teor alcoólico encontrado na pesquisa não vem daí.
O que acontece é que o pão é um alimento extremamente perecível e, para evitar o mofo, a indústria usa conservantes diluídos em álcool e borrifados no produto antes de embalar. “Quando essas aplicações são exageradas, o pão fica com um teor de etanol muito elevado.”
O Proteste ainda alerta que o abuso na quantidade de solução anti-mofo leva a outro problema: aditivos conservantes em quantidade elevada estão associados a possíveis danos a saúde do consumidor.
Apesar de não ser ilegal, a Proteste defende que o consumidor saiba do risco. A entidade também enviou um ofício com os resultados do teste para o Ministério da Agricultura e para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A associação sugere o estabelecimento de um percentual máximo de álcool nas mercadorias e a ações de fiscalização quanto aos teores de agentes conservantes anti-mofo e o teor de álcool após a regulamentação.
Mercado
Segundo pesquisas da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP), no Brasil, o consumo de produtos de panificação está em torno de 5,9 milhões de toneladas ao ano, sendo a maior parte pão francês .
No entanto, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (ABIMAPI), o consumo de pães industrializados cresceu, principalmente devido à sua praticidade. Destaca-se o pão de forma, com um significativo aumento no consumo e inserção na mesa dos consumidores.
Vale ressaltar ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o ideal de consumo de pão para cada pessoa anualmente é de 60 quilos, que seria equivalente a 6 fatias de pão de forma diárias.
O que dizem as empresas?
O Grupo Wickbold, que detém a marca de mesmo nome e a Seven Boys, reforça que todas as receitas de produtos, assim como todas as áreas da empresa, seguem protocolos de segurança e qualidade, com o mais alto teor de controle, bem como cumpre toda a legislação vigente, dentro dos parâmetros impostos pelas normas estabelecidas. A fabricante alega que não foi notificada sobre o referido estudo e a metodologia utilizada, portanto, “não é possível qualquer manifestação sobre ele”.
“Contudo, após ter acesso ao mesmo e a metodologia empregada, poderá prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários, confirmando o legado de ética, transparência e respeito às pessoas que mantém há 86 anos”, completa.
A reportagem entrou em contato com as demais empresas citadas na pesquisa, mas ainda não houve repostas. Assim que obtiver, este conteúdo será atualizado.
Posicionamento do setor
Em nota, a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi) afirmou que não concorda com as conclusões apresentadas no Relatório Técnico e Mercadológico divulgado pela Proteste, e que “reafirma seu compromisso com a qualidade e a segurança dos alimentos oferecidos à população brasileira”.
Segundo a associação, a Proteste publicou um estudo com “inúmeras incoerências” e sem consultar o setor envolvido, “causando forte temor popular”. A Abimapi argumenta que há uma falta de metodologia analítica oficial normatizada, questionando a amostragem e que haveriam “dados distorcidos e resultados comprometidos.
“Não foi relatada se houve repetibilidade e reprodutibilidade nas análises. Foram realizadas duas séries de análises com lotes diferentes, mas a primeira série não foi considerada devido à falta de segurança nos resultados. Resultados em lotes diferentes não significa duplicata de análise. A indústria não teve oportunidade de avaliar contraprovas, pois os lotes já estavam vencidos no momento da publicação”, diz a nota.
Sobre a correlação crítica, a associação avalia que a Proteste não estabeleceu relação do possível álcool presente em alimentos e o álcool das bebidas alcoólicas ao comparar seus resultados com valores descritos em legislações de bebidas alcóolicas, com “resultados do teor alcoólico nos pães de forma comparados com o teste de bafômetro, sem considerar a ingestão dos pães”.
Finalmente, a Abimapi criticou o que chamou de falta de transparência, por uma ausência de dados temporais, “referências questionáveis” e por a pesquisa ser assinada por “um profissional que não apresenta o número de registro no CREA [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia]”.