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Fazendeiros ficam pobres e denunciam ao CNJ suposto esquema de ‘grilagem judicial’ em MS

Três irmãos milionários em Mato Grosso do Sul acabaram pobres em 2019, depois de caírem em um golpe ao vender a fazenda que herdaram em Camapuã, a 127 quilômetros de Campo Grande. Ao tentarem receber ou reaver as terras, acabaram esbarrando numa sucessão de decisões judiciais que levaram a família a desconfiar do judiciário de MS e suspeitar de suposto ‘esquema de grilagem judicial’.

Enquanto os ex-fazendeiros se viram como podem para sobreviver, levaram ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) uma reclamação disciplinar contra o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues e o juiz Ronaldo Gonçalves Onofri. Os indícios, segundo eles, apontariam para um conluio entre corretor, comprador golpista, juiz e desembargador.

Não é a primeira vez que a disputa por imóveis rurais em Mato Grosso do Sul arrasta o judiciário para berlinda. Os relatos do esquema de grilagem judicial invariavelmente envolvem corretores e compradores que supostamente teriam acesso a mecanismos para influenciar decisões judiciais que ‘esquentariam’ negócios mal feitos, e até mesmo golpes.

No caso dos três irmãos que negociaram uma fazenda de 1,5 mil hectares em troca de 7 apartamentos em Palhoça, Santa Catarina, eles afirmam ter levado calote porque nunca chegaram a ver as escrituras dos imóveis e viram a justiça assegurando para o golpista a propriedade rural que receberam de herança do pai.

Na apelação, o trio suspeita que os magistrados teriam favorecido o golpe com decisões judiciais.

A queixa disciplinar, se provada, pode até banir o juiz e o desembargador do judiciário sul-mato-grossense. Despachos deles teriam amparado a suposta trama, estimada em R$ 9.540.000, soma que os irmãos deveriam receber caso tomassem posse dos apartamentos e os vendessem como planejavam.

Sustenta a queixa contra os magistrados de MS que nenhum dos irmãos recebeu até hoje “dinheiro algum” pelo negócio. Pior, além do rombo, hoje nem sequer podem atravessar a porteira da fazenda que era deles. A área, disseram os irmãos, herdaram do pai, que morreu no ano que fizeram a permuta.

Em outubro do ano passado, Marcos José Brito foi um dos cinco desembargadores de MS afastados dos cargos por suspeita de venda de sentença. Implicados no esquema ficaram monitorados por tornozeleiras eletrônicas e, enquanto investigados, proibidos de entrar no prédio do TJ ou conversar entre si.

Parte de sede da fazenda em MS, trocada por apartamentos em SC (Reprodução)

O começo

O duelo judicial da permuta despontou no dia 9 de dezembro de 2019, data que os irmãos Eliseu, Daniel e Danielle, da família Ujacov Nogueira, firmaram contrato acerca do negócio com a empresa R2 Construtora e Incorporadora, representada por Rodrigo Reiter Ramos.

À época combinaram o seguinte: trocariam a fazenda Cuitelinho/Nossa Senhora Aparecida por sete apartamentos no edifício “La Pierre Blanc” [A pedra branca, no idioma francês], em Palhoça, a uns 25 km de Florianópolis, capital catarinense.

Cada apartamento, prometeu Rodrigo aos irmãos, estaria avaliado em R$ 1,5 milhão.

A ideia dos Ujacov era a de que os três juntariam dinheiro da venda dos imóveis para comprar outras áreas. Afinal, disseram, eles “nasceram e foram criados por toda a vida na área rural”, e só sabiam exercer lidas ligadas ao campo. A permuta, alegam os Ujacov Nogueira, foi concordada por eles porque não tinham dinheiro para investir na fazenda em Camapuã, onde apenas criavam “poucos animais”, gado, no caso.

Hoje, sem a fazenda e sem dinheiro, a herdeira, de 35 anos de idade, vende queijos, meio de tratar a filha ainda criança. O marido dela ganha a vida com “pequenos bicos”. Já quanto aos outros dois irmãos, um trabalha como peão de fazenda, e outro amarga o desemprego. Em vídeo, a herdeira comenta o episódio, mas é interrompida por uma crise de choro. Se desse certo o negócio da permuta ela receberia pouco mais de R$ 3 milhões.

Bancarrota

Ao longo dos anos, de 2019 para cá, os planos de retornarem à condição de fazendeiros, ruíram.
Os irmãos, como afirmam, notaram que Rodrigo Reiter os trapaceou. Mas isso, não porque os apartamentos não eram de verdade.

Esses imóveis existem, mas a Justiça de confiscou todos eles, conforme apuraram os advogados dos Ujacov Nogueira.

Assim, a dívida de Rodrigo aparece numa ação conhecida como excussão hipotecária [se o devedor não paga a dívida no seu vencimento, fica o credor habilitado a exercer o direito de excussão (solicitar a venda judicial do bem)]. O valor desta ação é de R$ 42 milhões e tramita na 41ª Vara Cível do Foro de São Paulo. Surge como credora da empresa de Rodrigo a Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária.

Dado curioso: apelação em questão foi distribuída no dia 15 de julho de 2014. Isso remete a este entendimento: quando o contrato da permuta foi fechado com os Ujacov Nogueira, em Camapuã, os apartamentos da cidade de Palhoça, em dezembro de 2019, já estavam comprometidos financeiramente há mais de cinco anos.

O que diz a ação

“… nesse sentido, conforme atestado, demonstrado e comprovado, perante a Justiça de São Paulo, autos número 1064826-24.2015.8.26.0100, a R2 Construtora e Incorporadora figura em polo passivo de excussão hipotecária milionária desde o ano de 2014 e ali, documentalmente, se apresenta como empresa inativa, que não possui movimentação financeira e, por isso, para fim de ser conhecida sua defesa na execução, peregrina com diversos recursos o intento de ser alçada pelas benesses da justiça gratuita! Certamente, com isso, prolonga por anos e anos a excussão hipotecária destinada ao pagamento de dívida!”.

Trecho da reclamação endereçada ao Conselho Nacional de Justiça

De acordo com a petição da família dos herdeiros, somente em Santa Catariana, correm no Judiciário 38 queixas contra a R2 Incorporadora, de Rodrigo, quase todas por cobrança acerca da construção do edifício com os sete apartamentos trocados pela fazenda.

“Conclui-se, portanto, que desde o início, é o mesmo grupo de advogados que atuou juridicamente, na assessoria contratual e processual, para o fim de permutar imóveis arrestados judicialmente, fraudar e frustrar ação de excussão hipotecária, assim como lesar os requerentes [irmãos] valendo-se de expedientes processuais de má-fé que tiveram amparo nas decisões judiciais emitidas pelo juiz Direito, Ronaldo Gonçalves Onofri, lotado, em substituição, na Primeira Vara Cível de Camapuã, e depois amparadas, em grau recursal, pelo desembargador Marcos José Britto Rodrigues”.
Parte da queixa contra os dois magistrados de MS

Os Ujacov Nogueira, no recurso contra os dois magistrados, afirmam que tentaram, judicialmente, quebrar o contrato e pediram a reitegração da área, no caso para voltarem a viver por lá, mas o juiz negou e o desembargador concordou com a decisão.

Além disso, garante a reclamação dos herdeiros, em determinada decisão, o juiz de Camapuã aplicou um multa contra eles no valor de R$ 945 mil decorrente de cláusula contratual por ter enxergado descumprimento de dever por parte do irmãos. A decisão, segundo eles, “sem qualquer base judicial”, foi definida num fim de dezembro, período de recesso judiciário.

O próprio derrubou a multa. Na reclamação disciplinar ainda consta que o juiz negou um pedido dos herdeiros que tentou resolver o conflito judicial por meio da chamada audiência conciliatória.

“Fato é que a decisão do juiz ONOFRI que negou a realização da audiência de conciliação requerida para a relação consensual do conflito, é contrária a política jurisdicional ditada pela Constituição Federal, Código de Processo Civil e Resoluções do Conselho Nacional de Justiça”, diz trecho da queixa disciplinar contra os magistrados.

Noutro ataque contra o juiz, assim manifestam-se os herdeiros:

“A decisão do juiz Onofri, à toda evidência, chancelou e certificou a manobra ardil para favorecer Rodrigo Reiter Ramos, quem a propósito de haver ‘permutado’ bens da empresa R2 Construtora e Incorporadora com os requeridos [irmãos Ujacov], oferecendo em troca algo que não dispunha, não tinha e não tem. Em verdade toma a fazenda dos requerentes ao mesmo tempo em que frauda a execução em tramite na capital de São Paulo. Tal desiderato golpista só é viabilizado graças à apreciação parcial e condução processual do JUIZ ONOFRI no contrato de permuta”, diz parágrafo do texto endereçado ao CNJ.

Para os Ujacov Nogueira, os dois magistrados, mesmo sabendo que a empresa R2 Construções não tinha dinheiro algum e acumulava dezenas de processos judiciais espalhados em comarcas de São Paulo, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, emitiam decisão contrárias aos recursos deles, que era o de desfazer a permuta e reconquistar a fazenda.

Atitude veloz

Dias depois de os irmãos herdeiros recorrerem à corregedoria do CNJ, o Conselho Nacional de Justiça, com a queixa disciplinar contra o desembargador do TJMS e o juiz de Camapuã, o empresário Rodrigo Reiter Ramos, dono dos apartamentos em SC, pivô das reclamações, também moveu-se. E rápido.

Note a pressa: a reclamação dos irmãos Ujacov Nogueira foi distribuída na Corregedoria do CNJ no dia 3 de dezembro do ano passado. Nove dias depois, 12 de dezembro, Reiter Ramos ingressou com pedido lá para se tornar parte da questão, o que levanta suspeitas de um complô contra os herdeiros.

Detalhe curioso: até semana passada, nem sequer o TJMS tinha sido comunicado oficialmente sobre a queixa disciplinar, conforme informação da assessoria de imprensa da corte (ver logo abaixo).

Reiter Ramos entrou com o chamado pedido de habilitação em que solicita ao ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional de Justiça, que examina a causa, para atuar no protesto contra os magistrados como “terceiro interessado”.

E o que é isso? Terceiro interessado é uma pessoa ou entidade que não é parte de um processo, mas tem um interesse jurídico na decisão judicial.

Na prática, o manifesto de Reiter Ramos, conduzido pelo Carlos Roberto de Souza Júnior, destaca o interesse único do empresário: defender as decisões dos magistrados e enfraquecer a queixa dos herdeiros, conforme o pedido levado à corregedoria.

“Tem-se, aqui, teor de (i) clara e evidente insurgência recursal, o que, prima facie [expressão latina que se traduz como ‘à primeira vista’; no contexto jurídico, é usada para se referir a uma evidência ou conjunto de fatos que, se não forem refutados, são suficientes para provar uma determinada reivindicação ou conclusão]”, [a queixa dos herdeiros] contraria o entendimento segundo o qual “o CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal”, diz trecho da petição de Rodrigo Reiter.

No recurso, o empresário inclui, ainda, termos que indicam que os herdeiros teriam levantado suspeitas indicando “que os referidos Magistrados talvez estariam ‘levando vantagens’, quiçá um pedaço de terra (!?), e que estas vantagens poderiam ter sido prometidas por estes terceiros [Rodrigo, no caso]”.
Daí, o empresário arrematou o pedido ao corregedor:

“Diante disso, é necessário que estes terceiros sejam aqui admitidos, nesta qualidade. Assim, requer a juntada de instrumentos de representação, bem como, se este expediente for admitido, pugna pela regular intimação do patrono subscritor para que estes terceiros possam se manifestar em face da fastidiosa [desinteressante] petição que deflagrou este procedimento”.

Ao menos até a publicação deste material, a Corregedoria do CNJ ainda não havia definido se aceita, ou não, Rodrigo Reiter como “terceiro interessado” na queixa dos herdeiros contra os magistrados.

Manifestações

A reportagem tentou ouvir os magistrados por meio do TJMS. No entanto, a assessoria de imprensa da corte máxima sul-mato-grossense assim respondeu:

“As reclamações disciplinares movidas contra magistrados no CNJ tramitam em sigilo, sendo que, quanto ao caso em questão, o TJMS não recebeu nenhuma comunicação oficial do Conselho Nacional de Justiça”.

Os magistrados denunciados ao CNJ também ainda não se manifestaram e se isso ocorrer este material será atualizado.

Já a assessoria de imprensa do CNJ, o Conselho Nacional de Justiça, confirmou o registro da reclamação, apenas. Desta forma, a corregedoria deve conduzir o caso. Confirmadas as denúncias ou apuradas irregularidades, o órgão pode recomendar o afastamento de magistrados que, eventualmente, tenha agido contra as regras da categoria.

Rodrigo Reiter Ramos, o representante da R2 Construtora, em diálogo com a redação do Midiamax, por telefone, rebateu as denúncias provocadas pelos irmãos Ujacov Nogueira.

Ele disse que logo que acertou o contrato de permuta com os herdeiros teria sido impedido de entrar na área porque a fazenda tinha sido arrendada a terceiros. Daí teve início o conflito judicial.

Contou também que ao fechar o negócio notou que a fazenda enfrentava um processo de degradação e que ele estaria, agora, mudando o cenário na área com obras de reparação.

Rodrigo narrou que a área de 1,5 mil hectares é hoje ocupada por ao menos 1,6 mil cabeças de boi para “cria e recria”.

Ele revelou ainda que o nome da fazenda mudou para “São Roque” e que as escrituras indicam que a área “agora é sua”.

Rodrigo informou também que os herdeiros quiseram vender os apartamentos durante a tramitação do processo acerca da permuta em Camapuã.

Advogados que defendem os irmãos Ujacov Nogueira confirmaram que os herdeiros fizeram uma consulta com a intenção de negociar parte dos imóveis. Contudo, foi nesse período que ficaram sabendo que a justiça havia confiscado os apartamentos, que logo devem ser leiloados.

Midiamax

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