Ao todo, os valores desviados da FFMS, no período de setembro de 2018 até fevereiro de 2023, superaram R$ 6 milhões.
Alvos da Operação Cartão Vermelho – além de familiares e amigos, por tabela – foram monitorados por equipe do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) empenhada em descortinar os desvios do dinheiro do futebol sul-mato-grossense. Os diálogos interceptados são reveladores, defendeu o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) ao fazer pedido para prender 7 integrantes “Máfia da Bola” após 20 meses de investigação.
Uma das conversas que chamaram a atenção do juiz Eduardo Eugênio Siravegna Junior, da 2ª Vara Criminal, que mandou prender o invicto – até ontem – presidente da FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul), Francisco Cezário de Oliveira, 77, aconteceu no dia 19 de julho de 2022.
O papo é entre Aparecido Alves Pereira, o “Cido”, também preso nesta terça-feira (21), e a esposa. O delegado de jogos promovidos pela federação menciona, conforme destacado pelo juiz, que o irmão dele, Umberto Alves Pereira, o “Beto”, estava “empurrando dinheiro no rabo do Cezário”. Completa que o segundo Alves Pereira investigado e preso pela Cartão Vermelho colocou “dinheiro dentro do envelope e foi lá na casa do Cezário entre quatro e cinco horas da tarde”. O principal alvo da operação é tio de ambos.
Outro diálogo que o magistrado trouxe para a decisão judicial foi entre o próprio presidente da FFMS e outro homem, identificado somente como Romeu. Os dois confabulam maneira de “ganhar dinheiro”.
Nós não temos um jeito de inventar um projeto pra nós ganhar dinheiro, cara. Um projeto ali, por exemplo, ali no interior de São Paulo tem um projeto da, das, dos times de futebol das prefeituras, não sei se você conhece esse projeto. Você lembra ou não?”, questiona Cezário, segundo transcrição.
Os dois seguem discutindo a possibilidade de novos projetos para angariar recursos públicos, até que o comandante da federação grifa algo que para Siravegna Junior, “denota que a Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul era utilizada para receber vantagens indevidas, com o desvio de verbas públicas”.
Entende Romeu? Eu estava pensando… Tá louco rapaz, nós precisamos ganhar dinheiro desse futebol”, enfatizou Francisco Cezário na conversa interceptada.
Umberto Alves Pereira, o “Beto”, que abriu sede da FFMS para equipe do Gaeco vasculha na manhã desta terça-feira, 21 (Foto: Marcos Maluf)
Umberto Alves Pereira, o “Beto”, que abriu sede da FFMS para equipe do Gaeco vasculha na manhã desta terça-feira, 21 (Foto: Marcos Maluf)
“Sabem” – Outras interlocuções apontam, segundo o Gaeco, para esquema que “todo mundo” conhecia, perpetuado com naturalidade pelos investigados. É o caso de conversa de Beto com Rudson Bogarim Barbosa, identificado em publicação no site da federação como “gerente de Tecnologia da Informação” da entidade.
Os dois mencionam projeto com custeio de R$ 190 mil e dizem que Cezário não investiu o valor no Campeonato Estadual de Futebol. “Não investiu nada”, afirma Beto e Rudson rebate: “sabem para onde vai o dinheiro”.
O gerente de TI Pnão deixa claro quem são as pessoas que “sabem”, mas para a investigação fica “bem claro” que o presidente da FFMS “desvia verbas” da competição “em benefício próprio”.
“Ainda na mesma conversa, Umberto diz para Rudson que a verba recebida para custear o projeto seria em verdade para Francisco Cezário: ‘Eu falei Cezário, se ele falar Cezário, eu tenho R$ 500 mil no ano. Você pega três projetos, o sub, porque na realidade o dinheiro é pra ele, não é pro campeonato, não é verdade?”.
Em outra data – 21 de abril de 2023 –, Umberto e Rudson também conversam por telefone e “acertam” desviar R$ 10 mil em valores recebidos pela FFMS da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). “Dá pra ver segunda e diz que arbitragem faz parte, e que tem que ver o que mais faz parte, gandula, etc, o que mais faz parte (…) então, isso que vou ver, e que se puder ver se encaixa ambulância e diz: ‘Essas 10 mil aí, eles vai ser nosso, entendeu?’”.
Rudson Bogarim Barbosa, outro investigado e preso pela operação, durante buscas na FFMS (Foto: Marcos Maluf)
Rudson Bogarim Barbosa, outro investigado e preso pela operação, durante buscas na FFMS (Foto: Marcos Maluf)
Entenda – Nesta terça-feira (21), o Gaeco levou Francisco Cezário de Oliveira para a cadeia, por suspeita de comandar esquema para desviar milhões da FFMS. A casa do presidente – imóvel de alto padrão, localizado na Vila Taveirópolis, na Capital – foi vasculhada e no local, agentes apreenderam mais de R$ 800 mil em espécie.
Contra Cezário há mandado de prisão preventiva (por tempo indeterminado). Como ele é advogado com registro ativo, o trabalho foi acompanhado por representantes da Comissão de Defesa e Assistência das Prerrogativas dos Advogados de Seccionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e ele foi levado para cela especial no Presídio Militar Estadual.
André Borges, responsável pela defesa de Cezário, afirmou que a quantia encontrada na casa tem origem lícita. “Não é crime manter dinheiro em casa. Tem origem lícita, que no momento oportuno será declarada”.
Mão de árbitro expulsando jogado em partida de futebol (Foto: Reprodução)
Mão de árbitro expulsando jogado em partida de futebol (Foto: Reprodução)
Mil saques – De acordo com o Gaeco, braço do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, a ofensiva desbaratou organização criminosa voltada à prática de peculato, estelionatos, falsidades documentais, lavagem de dinheiro e delitos correlatos.
Em 20 meses de investigação, o Gaeco constatou que um grupo desviava valores, provenientes do Estado (via convênio, subvenção ou termo de fomento) ou mesmo da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), em benefício próprio e de terceiros. “Uma das formas de desvio era a realização de frequentes saques em espécie de contas bancárias da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul – FFMS, em valores não superiores a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para não alertarem os órgãos de controle, que depois eram divididos entre os integrantes do esquema”, informa a nota do MPMS.
Nessa modalidade, verificou-se que o grupo fez mais de 1.200 saques, que ultrapassaram o total de R$ 3 milhões.
A organização criminosa também contava com esquema de desvio de diárias dos hotéis pagos pelo Estado em jogos do Campeonato Estadual de Futebol. O esquema de peculato tinha “cashback”, numa devolução criminosa de valores.
CAMPO GRANDE NEWS